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A COMPREENSÃO DO PLANEJAMENTO DO TRABALHO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE DA CIDADE DE VIÇOSA, MINAS GERAIS

Gracilene Maria Almeida Muniz Braga; Simone Caldas Tavares Mafra; Emília Pio da Silva; Andreia Patrícia Gomes; Mônica Santos Souza Melo

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM)

Av. Nossa Sra. da Penha, 2190 - Santa Luiza - Vitória -ES - CEP: 29045-402

Submetido em 20 Março 2015

Resumo

O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é identificado pela comunidade como o responsável por criar o elo entre ela e a equipe Saúde da Família (eSF), interação esta estimada pelo trabalho do ACS. O objetivo desse estudo foi conhecer a percepção do ACS sobre o planejamento do trabalho. Utilizou-se abordagem qualitativa e descritiva, para coleta de dados através do método de Grupo Focal (GF). Para análise dos dados, a análise do discurso. De forma intencional, 16 ACS das 14 Unidades Básicas de Saúde de Viçosa, foram convidados para participar do GF. Seis ACS aceitaram participar e constituíram a amostra da pesquisa. Os dados evidenciaram que há um desequilíbrio entre o desejo do ACS de realizar satisfatoriamente as atividades e atender às expectativas das famílias, influenciado pela precarização das condições do trabalho e falta de planejamento levando ao mau desempenho dos ACS. Concluiu-se que a falta de planejamento do trabalho dos ACS gerou insatisfação entre os mesmos em relação ao trabalho desenvolvido.

Descritores (Palavras-chave)

Educação; Educação em Saúde; Questionários

Introdução

Planejar é estabelecer ações que concorram para o melhor resultado, envolvendo o reconhecimento das dificuldades, da realidade, ameaças e riscos, é pensar no futuro, estabelecer objetivos e encontrar os meios para alcançá-los é uma característica que diferencia os homens dos demais seres vivos.1 Assim, o papel do planejamento é diagnosticar a realidade e proporcionar mudanças na mesma.

O processo de trabalho em saúde remete-nos à ideia de prestação de serviços. Este normalmente está relacionado ao alcance de resultados  que  modifiquem uma determinada realidade direcionando o processo de trabalho para o alcance de objetivos e metas, considerando para tanto, a complexidade da interação entre os diferentes recursos, incluindo os aspectos cognitivos, organizativos, políticos, subjetivos, financeiros e outros.

O ciclo administrativo do planejamento pode ser dividido em quatro etapas

Planejamento(definição dos objetivos; formular estratégia; analisar a realidade; identificar oportunidades e ameaças; fechar alianças fortalecedoras);

Organização e desenvolvimento (disponibilizar recursos; adquirir espaço físico e equipamentos; repor materiais de consumo e gerir as competências);

Execução/direção (tomar decisões; executar as ações planejadas e adaptar-se ao contexto da ação);

Controle e avaliação (analisar o impacto da execução na ação planejada; verificar se os objetivos foram alcançados; verificar a eficiência das estratégias; propor melhorias na eficiência, eficácia e efetividade)[grifo nosso].1

O processo de planejar envolve a definição de objetivos e formulação de estratégias.  É a forma de agir para se alcançar os objetivos. Na etapa de organização e desenvolvimento, considera-se a gestão de competências que é preparar os envolvidos para o sucesso da ação.1

Da mesma forma os autores destacam que:

Execução/Direção é a que incorpora o processo de tomada de decisão e a execução da ação programada, considerando permanentemente a oportunidade para executar os projetos e adaptando-os ao contexto em que a ação efetivamente acontecerá.

A etapa do Controle/Avaliação corresponde ao momento em que se busca garantir que as ações executadas tenham sido realizadas da maneira como haviam sido pensadas[grifo nosso].1

Neste sentido, o desafio gerencial na ESF é envolver no processo de trabalho os diferentes atores sociais no contexto da saúde, aproximando o trabalhador dos resultados de seu trabalho.1 Na ESF o processo de trabalho inicia-se com a identificação e análise dos problemas, com o levantamento das prioridades, com a definição das ações para superar os problemas e também com a identificação dos recursos necessários a sua superação.

Por isso as etapas do planejamento local devem ser um processo flexível e participativo que permita a troca de saberes entre a eSF e a comunidade.3 Assim, o trabalho é realizado por uma equipe multidisciplinar que conta com no mínimo: um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Para atuar como ACS, o profissional deve residir na comunidade e ter, no mínimo, a escolaridade de ensino fundamental.3

A exigência do ACS ser um morador da comunidade parte do pressuposto que ele compartilha dos mesmos valores e interesses da população local gerando, assim, uma identidade coletiva. Assim, esse traço identificador permite que o ACS possa desenvolver e executar atividades de prevenção de doenças e promoção de saúde junto à comunidade, legitimando e proporcionando eficácia humana e cultural durante o exercício de sua profissão.4

Dessa forma, percebe-se a importância da capacitação antes do início das atividades profissionais, contudo, isso não é uma realidade na maioria das regiões do país. O profissional, conta apenas com o bom senso em seu cotidiano laboral, como se estivesse em um jogo de tentativas, acertos e erros.5 Sendo assim, é necessário repensar todo o processo de trabalho em saúde à luz das condições concretas em que acontece o trabalho das equipes de Saúde, em especial as condições de trabalho do ACS.

O objetivo desse estudo foi analisar e compreender o planejamento do trabalho do ACS de Viçosa. Para atender a esse objetivo, fez-se necessário compreender a diferença entre tarefa prescrita a tarefa real e assim prosseguir na discussão sobre o planejamento do trabalho junto aos ACS.

Revisão de Literatura

Grupo Focal

O grupo focal tem sido uma estratégia metodológica muito utilizada para aprofundar-se no conhecimento do cotidiano laboral dos profissionais da saúde.6

Este se apresenta como um método de coleta de dados muito utilizado por pesquisadores da área da saúde, principalmente enfatizando a facilidade de se abordar temas que em entrevistas individuais seria mais complicado explorar, bem como o estímulo ao debate e o baixo custo para a realização da técnica.7

Portanto, ao utilizar grupo focal deve-se compreender a necessidade de considerar os diferentes sujeitos e suas visões e compreender também que  estão vinculados a um contexto social sobre o qual incide o fenômeno a ser analisado. Dessa forma, seu principal objetivo é reunir em detalhe informações sobre um tema específico definido pelo pesquisador, coordenador ou moderador do grupo, buscando, com os participantes, compreender as percepções sobre um tema, produto ou serviço.6

O espaço, onde o método do GF é aplicado, deve ser pensado de forma a não haver interferência externa, não comprometendo, assim a discussão do grupo.6- 8

Esses autores afirmam que o GF pode ser utilizado para se conhecer as opiniões dos participantes a partir das intenções do pesquisador que direciona, por meio de roteiro pré-estabelecido, os temas a serem discutidos.

Essencialmente, o GF consiste em promover a interação entre os participantes e o pesquisador, deve ser composto por pequenos grupos de pessoas que não têm envolvimento de amizade ou de trabalho, mas que possuam características comuns. Sua duração não deve ser maior que duas horas para que as discussões não assumam características pessoais.7

O ambiente deve ser cuidadosamente preparado para que ruídos externos não distraiam os participantes. Além disso, necessita-se da autorização dos envolvidos, para a gravação em áudio e vídeo. É comum no ambiente, além do pesquisador que normalmente é o moderador da discussão, haver relatores ou observadores para anotar os principais acontecimentos e observar a comunicação não verbal.8

Em síntese, a utilização do grupo focal, como método para conhecer a realidade de determinados grupos e suas percepções, pode contribuir para o avanço de pesquisas na área da saúde e elaboração de novos métodos de entrevistas de grupo, colocando-se como uma estratégia de trabalho eficaz para o assistente social.

Planejamento do GF e características dos participantes

Para a realização do GF, é necessário selecionar os participantes, tendo clara determinação do grupo social, porém o GF não visa identificar a frequência com que um determinado comportamento ou opinião ocorre, mas sim, de compreender como se diferem as opiniões ou atitudes frente alguma questão.8

Segundo os autores, no GF deve-se evitar dispor no mesmo grupo ou espaço, pessoas do mesmo círculo de convivência ou mesmo que possuam características contrastantes.8

A escolha do local, também ganha destaque, que sugere que o espaço seja isento de interferências e que comporte o número de participantes convidados. Sobre esta questão, destaca-se que a o local onde o GF irá ocorrer deve ser um “território neutro” e de fácil acesso aos participantes.7 6

A autora destaca ainda que as cadeiras dos participantes devem estar dispostas em círculo para facilitar a visualização dos participantes, para haver maior interação e, em algumas situações.  O  próprio “enfrentamento” permitido pelas diferentes opiniões.

Neste estudo, o GF foi importante para compreender também a percepção dos entrevistados sobre os conceitos de tarefa prescrita e realizada.

Tarefa prescrita e Tarefa realizada

Ao iniciar as reflexões sobre tarefa prescrita e tarefa realizada, deve-se primeiramente compreender questões importantes sobre o processo de trabalho, que possui três elementos, assim dispostos: a atividade adequada a um fim (o próprio trabalho); o objeto de trabalho (matéria que se aplica o trabalho) e os instrumentos ou meios do trabalho.9

No processo de trabalho em saúde alguns componentes devem ser analisados de forma recorrente, pois o processo de trabalho envolve uma relação recíproca destes elementos: o objeto do trabalho; os instrumentos; a finalidade do trabalho e os agentes que desempenharão o trabalho.9

A tarefa é a face visível do trabalho prescrito, “é entendida como aquilo que está posto ao trabalhador ou o que se espera que ele faça”. De acordo com os autores, a tarefa antecede a atividade: “veicula explícita ou implicitamente um modelo de sujeito; […] e requer do sujeito dupla atividade de elaboração mental”.10

Da mesma forma os autores descrevem os aspectos fundamentais da atividade:

[…] finalismo; estratégias de mediação; contradições; papel ontológico; integração do pensar-agir-sentir.

Ademais, a atividade tem um caráter integrador e unificador na medida em que organiza e estrutura os elementos das situações de trabalho, constituindo-se na forma de mediação que os trabalhadores desenvolvem para superar as contradições que lhes são impostas externamente.10

A linha da ergonomia, originada em países de língua francesa, denomina a ergonomia da atividade que identifica o trabalho em duas faces: a tarefa que é o trabalho prescrito e a atividade que é o trabalho real; lados que não se opõem.11

A caracterização do trabalho prescrito ocorre pelos seguintes elementos:

Os objetivos a serem atingidos e os resultados a serem obtidos, em termos de produtividade, qualidade, prazo;

Os métodos e procedimentos previstos;

As ordens emitidas pela hierarquia(oralmente ou por escrito) e as instruções a serem seguidas;

Os protocolos e as normas técnicas e de segurança a serem seguidas;

Os meios técnicos colocados à disposição– componente da prescrição muitas vezes desprezado;

A forma de divisão do trabalho prevista;

As condições temporais previstas;

As condições socioeconômicas (qualificação, salário[grifo nosso].11

Nesta perspectiva, percebe-se que o planejamento do trabalho é a sistematização e desenvolvimento das tarefas e das atividades. Por isso observa-se que o planejamento é a forma que o trabalhador tem de compreender o objetivo do seu trabalho e como desenvolvê-lo.

Dessa forma, é importante definir o que é trabalho e o que é processo de trabalho:

O trabalho, em geral, é o conjunto de procedimentos pelos quais os homens atuam, por intermédio dos meios de produção, sobre algum objeto para, transformando-o, obterem determinado produto que pretensamente tenha alguma utilidade.

[…]

Quanto mais complexo o processo de trabalho e quanto menos sistematizado ele for, mais difícil será refletir sobre ele.

Essas são características muito presentes […] na ESF. Por isso, é fundamental que os profissionais aí inseridos desenvolvam habilidades para a aplicação de instrumentos que possibilitem a reflexão crítica e a transformação do seu processo de trabalho.12

Dessa forma a finalidade do processo de trabalho é satisfazer necessidades e expectativas dos homens, conforme sua organização social, em dado momento histórico.12

Nesse aspecto é fundamental compreendermos a característica da cultura organizacional.13 Tais características são denominadas como aspectos formais e abertos, outros aspectos são de difícil percepção, classificados como informais e ocultos. Dessa forma, pode-se elencar que componentes visíveis são aqueles aspectos operacionais, como as atividades, a exemplo disso,

Estrutura Organizacional; Títulos e descrições de cargos; Objetivos e estratégias; Tecnologia e práticas operacionais; Políticas e diretrizes de pessoal; Métodos e procedimentos; Medidas de produtividade física e financeira.13

Para o autor, considerando tais componentes, a organização é percebida como um sistema complexo estruturada para trazer motivação e maior produtividade, por isso deve ser constantemente observada, analisada e aperfeiçoada.

O trabalho na saúde vem enfrentando desafios para organizar suas tarefas e atividades, desta forma o estudo em questão demonstrou como os ACS compreendem o planejamento de seu trabalho nas UBSFs de Viçosa, na perspectiva das tarefas e atividades realizadas.

Metodologia

Caracterização da Pesquisa

A pesquisa trata-se de um estudo de natureza qualitativa com abordagem descritiva, buscando descrever a percepção do ACS em relação ao planejamento do trabalho nas UBSFs de Viçosa, Minas Gerais.

Local de estudo

O estudo foi realizado nas UBSFs de Viçosa, Zona da Mata Mineira, com população segundo o Departamento de Atenção Básica de 73.333 habitantes. 14

Em 1999, ano de inauguração das Unidades de Saúde, eram 59.024 habitantes e duas eSF e contavam com 10 ACS, a estimativa de cobertura da população era de 5. 750 habitantes. Em 2013, eram 86 ACS distribuídos em 13 equipes Saúde da Família, com estimativa de cobertura da população passou a ser de 49.450 habitantes, aproximadamente 67,43% da população.14

Os 86 ACS estavam distribuídos nas 14 UBSFs nos diferentes bairros da cidade de Viçosa: Amoras (cinco ACS); Bom Jesus (sete ACS); João Braz/Violeira (cinco ACS); Nova Era (sete ACS); Nova Viçosa/Posses (onze ACS); Novo Silvestre (três ACS); São José do Triunfo (cinco ACS); Barrinha (dez ACS); São Sebastião (sete ACS); Cachoeirinha (dois ACS); Silvestre (seis ACS); Santa Clara (sete ACS); Santo Antônio I (cinco ACS) e Santo Antônio II (seis ACS).

Considerando os aspectos apresentados, ressalta-se que o estudo foi realizado junto às 14 UBSFs do município de Viçosa, que possuíam em seu quadro 86 ACS.

Caracterização da População e Amostra

Considerando as 14 UBSFs de Viçosa, MG e seus 86 ACS, que neste estudo são caracterizados como população do estudo, fez-se a seleção de um ACS em cada UBSF, exceto nas Unidades que possuíam mais de uma equipe. Nestas foram selecionados dois ACS que totalizou ao final, 16 ACS. Para explorar ao máximo a contribuição dos ACS, foram organizados dois Grupos Focais com um número reduzido de oito participantes cada, distribuídos em horários distintos. Tal iniciativa garantiu que nas UBSFs cujo número de convidados foi de dois ACS, estes pudessem ser distribuídos em horários diferentes para impossibilitar intimidação e desconforto ao se discutir as questões que interferem na falta de planejamento do trabalho na Unidade.

Estes 16 ACS foram selecionados, considerando que estavam há menos tempo atuando na UBSF. No entanto, apenas quatro ACS participaram do primeiro GF e dois ACS participaram do segundo GF, determinando a amostra do estudo.

Todos os ACS selecionados eram do sexo feminino e trabalhavam nas UBSFs entre quatro meses a três anos e meio. Os participantes não se conheciam, pois trabalhavam em UBSFs em bairros distantes uns dos outros e autorizaram a gravação em áudio e vídeo e assinaram o Termo Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). O pesquisador se comprometeu a manter o anonimato dos participantes durante a apresentação dos dados.

Este estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), Parecer: 295.361, em 03/06/2013, e contou com o financiamento do CNPq.

Instrumentos de coleta de dados da Pesquisa

Como se trata de uma pesquisa qualitativa e descritiva, utilizou-se como método de coleta de dados o Grupo Focal descrito, como técnica que permite discussões entre os participantes e, ao mesmo tempo gera insights para o pesquisador no que diz respeito à interação dos participantes.7

O GF pode ser considerado, ainda, como técnica de diagnóstico situacional, no caso deste estudo para conhecer a percepção do ACS sobre o planejamento do seu trabalho.8

Condução do Grupo Focal

Foram realizados dois GF com duração de 1 hora e 20 minutos cada, incluindo o intervalo para o lanche. O primeiro GF foi composto por quatro ACS (n=4) e o segundo GF composto por dois ACS (n=2). Na condução dos grupos focais, foi utilizada a apresentação de vídeos com relatos sobre o trabalho de ACS de Viçosa e outras cidades. Utilizou-se, ainda, revistas, frases e charges sobre motivação e trabalho em saúde para promover a discussão e participação dos ACS.

Os temas iniciais para as discussões foram: pontos positivos e negativos da profissão; tarefas; relacionamento; condições de trabalho; motivação; comunicação com a comunidade e a equipe, capacitação e treinamento.

Além do pesquisador que atuou como moderador, estiveram presentes mais três relatores que não conheciam os ACS. Para a escolha dos relatores, foi considerada a experiência no campo do estudo e a familiaridade com o tema da pesquisa: planejamento do trabalho. A presença dos relatores não alterou a dinâmica dos grupos, ao contrário, contribuiu para observar a comunicação verbal e não verbal. Estes realizaram anotações e observações considerando os depoimentos apresentados pelos participantes.

As falas do grupo focal foram gravadas em áudio e vídeo e posteriormente, transcritas na íntegra.

Instrumentos de análise de dados

O tratamento dos dados, de natureza qualitativa, foi feito por meio de análise do discurso que considera a o discurso como produto da identidade social.

A análise das respostas encontradas permitiu a compreensão da linguagem implícita e explícita, considerando a vivência e a experiência de cada ACS e a compreensão de como estes percebem o trabalho desenvolvido..

Resultados e Discussão

Inicialmente, como forma de minimizar os impactos possivelmente negativos dos ACS estarem em um espaço físico que não é comum ao seu cotidiano e com pessoas que eles não conheciam, foi solicitado que os mesmos confeccionassem seus crachás com seus nomes ou apelidos e que escolhessem entre as várias revistas a sua disposição, uma figura que simbolizasse uma característica pessoal e uma frase que retratasse seu cotidiano, dentre as diversas selecionadas pelo moderador e dispostas em uma mesa.

Ao iniciar o discurso de caracterização pessoal e do trabalho, o Agente “P”a, escolheu a imagem de um animal de estimação, afirmando que gosta de bicho. A frase: Ganhamos força, coragem e confiança a cada experiência em que verdadeiramente paramos para enfrentar o medo. 15 Identificamos na exposição do ACS, ao explicar o motivo da escolha da frase, que os ACS passam por situações com as quais muitas vezes não estão preparados para lidar, com o contato com os usuários de drogas e com os pacientes com transtornos mentais.

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aA identificação com letras do alfabeto é para manter o anonimato do entrevistado.

Observou-se que havia, no desenvolvimento das atividades junto às famílias, conflitos e falta de habilidade ao se deparar com situações que fogem ao habitual como exposto pelo “Agente P” no discurso abaixo:

ele tá andando armado pelo bairro […], já tentou matar a filha a mãe […] mas teve um momento assim que eu parei para pensar, nossa, as vezes eu tô andando aqui na rua, e se ele vier aqui e do nada ele me matar. […] o salário que eu ganho, tipo assim, não vale a minha vida, nem se eu ganhasse muito não valeria a minha vida (Fala do Agente P).

O relato deste ACS demonstrou a dificuldade profissional para conviver profissionalmente com usuários de drogas e com pessoas com transtornos mentais.  Isso reforça  reforça a falta de preparo destes profissionais para lidar com a realidade da população, embora tal atitude seja esperada para um ACS, ou seja, ele precisa lidar cotidianamente com o indivíduo e sua família, considerando o trabalho de assistência à saúde na comunidade.

No discurso do Agente “P”, o tom de voz utilizado pelo participante, demonstrando insatisfação salarial, recebeu o apoio dos outros participantes. Assim, a polifonia é identificada pelo lugar social que ocupa o ACS e pelas diversas vozes em seu discurso, onde o “eu” não é individualizado, mas, compartilhado pelos outros cinco participantes do GF, demonstrando um “eu” coletivo.

Considerando o lugar social do discurso, a construção da identidade dos profissionais recebe influência de diversas concepções e experiências, que demonstram que o sujeito não é homogêneo, mas um componente de um conjunto social que tem voz e atitude.16

A este respeito, os profissionais mais bem remunerados são os que realizam procedimentos técnicos do cuidar da doença, tornando-se mais valorizados social e financeiramente.17 No caso dos ACS, estes tentam fortalecer seu discurso pautado na questão da prevenção às doenças fazendo parte do processo de cuidado das famílias atendidas. Notou-se a diferenciação entre o cuidado técnico e o atendimento dos ACS:

O cuidado, trazido para o diálogo na relação do agente comunitário de saúde com a comunidade, é enfatizado em seu lado técnico, ou seja, procedimentos técnicos significam a forma possível de oferecer o cuidado ao outro, enquanto que procedimentos relacionais como a escuta e o acolhimento não ocupam o lugar de tecnologias em saúde 17

A discussão do GF, avançou para identificação dos problemas que dificultam a realização das tarefas prescritas, apresentando atividades reais que não refletem o interesse das famílias, como pode-se notar no trecho abaixo:

A gente ganha pouco, então temos que trabalhar pouco (Trecho da transcrição do áudio do Grupo Focal, Agente F).

Se a gente aceitou receber esse salário, a gente faz, mas… (Fala do Agente P).

A questão financeira torna-se ainda mais crítica quando se compara o salário do ACS com o de outros membros da eSF.17

Durante o GF os ACS pode-se apontar a voz institucional com o verbo em destaque: já disseram que vão cortar a insalubridade, porque disseram que a gente não tem acesso aos doentes (Fala do Agente F), bem como a voz do sujeito social e coletivo também em destaque: sendo que nós somos as primeiras pessoas que vai na casa (Fala do Agente F).

Analisando os discursos percebe-se a polifonia, que é o encontro de diversas vozes dentro de um discurso (a voz institucional, o sujeito social e coletivo).16 Essa polifonia encontrada no estudo reflete que o ACS, ao pensar sobre seu trabalho, não consegue determinar a melhor forma de agir.  Ele sofre influência tanto da instituição quanto da população que eles atendem. Assim, o sofrimento e as angústias geradas por essas interferências, proporcionam a falta de condições emocionais para o ACS definir prioridades.

Os ACS relataram que o exercício da função gera sobrecarga laboral. É sabido que se organizando  mal o trabalho, a consequência direta é a sobrecarga que leva ao esgotamento físico e psíquico do trabalhador. Este fato pode ser observado na fala do Agente B, transcrito abaixo:

Visita domiciliar, somente da nossa área mesmo, mas a questão das consultas, essas coisas assim, das outras áreas também […] assim, se chega uma pessoa da outra área a gente tem que dar assistência […] então é correria mesmo. […] impede né de fazer o trabalho da gente, e o pessoal cobra da gente: ah você não vai mais na minha casa. Isso porque a gente fica a maior parte do tempo lá na ESF (Fala do Agente B) [Grifo nosso].

A falta de uma clara delimitação das atribuições e do papel dos ACS tem sido –   e eles se sentem sobrecarregados.5 Também tem a ver com as mudanças e precarização do mundo do trabalho em especial na Saúde, com a falta de recursos humanos para o desempenho das atividades administrativas, como se pode notar na transcrição abaixo:

Lá também não tem auxiliar administrativo, a gente tem que tá revezando, cada dia é um que fica na recepção […] lá tem auxiliar para limpeza, mas de férias a gente fez sim, toda sexta feira, juntava todo mundo (Fala do Agente M).

Além de existir pouca clareza sobre o que fazer, ou pedidos que transcendem o esperado para o cargo, o ACS vivencia outras questões no cotidiano do seu trabalho.  Uma delas é o assédio moral. Mesmo não sendo um fenômeno atual, o assédio moral tem sido uma prática comum no ambiente de trabalho dos ACS. Os episódios de violência psicológica foram nitidamente identificados nas falas dos ACS “B” e “F”.

 […] tem medo, é pouco, mas a gente precisa né, mas assim, o pessoal fica com medo de, de querer se expor demais e perder o emprego (Fala do Agente B).

 […] as ameaças são grandes […] falam que o agente de saúde, essa lei que nos protege vai acabar, que o prefeito não gosta de PSF que vai fechar, então sempre chega isso […] igual em uma reunião que tivemos, falaram que quem não estiver satisfeito pode sair porque a lista tá grande (Grifo nosso). (Fala do Agente F).

O assédio moral e as ameaças sofridas pelos ACS puderam ser identificados no comportamento dos mesmos durante o GF. Os sentimentos foram demonstrados a partir dos diferentes tons de voz, em alguns momentos era comum o silêncio do grupo, em outros, euforia.

As estruturas sonoras demonstram situações vivenciadas em um dado momento específico, assim, se se sentem ameaçadas, falam em tom baixo, se estão com raiva, aumentam a voz, se estão felizes irão rir.18 Isso pode ser notado em alguns momentos nos grupos em que quase não se ouvia o que os participantes diziam e em outros momentos notávamos a euforia ao relatar alguma questão.

No trecho em destaque acima, pode-se perceber o uso do “poder e da coerção” na voz institucional representado pelo ACS. 18 19

[…] o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso. Essa sujeição não é obtida só pelos instrumentos da violência ou da ideologia; pode muito bem ser direta, física, usar a força contra a força, agir sobre elementos materiais sem, no entanto, ser violenta; pode ser calculada, organizada, tecnicamente pensada, pode ser sutil, não fazer uso de armas nem do terror, e no entanto continuar a ser de ordem física. […] Estes recorrem a ela; utilizam-na, valorizam-na ou impõem algumas de suas maneiras de agir. Mas ela mesma, em seus mecanismos e efeitos, se situa num nível completamente diferente. Trata-se de alguma maneira de uma microfísica do poder posta em jogo pelos aparelhos e instituições, mas cujo campo de validade se coloca de algum modo entre esses grandes funcionamentos e os próprios corpos com sua materialidade e suas forças [grifo nosso]. 19

A falta de reconhecimento profissional foi comum no discurso dos ACS. A falta de respeito oriundo dos colegas de trabalho e até mesmo da população também foi constante no discurso dos ACS.  Tal fato pode ser comprovado nas falas dos ACS “F” e “M”.

[…] por exemplo, na hora que você precisa de qualquer coisa na Secretaria, você não tem respaldo de ninguém, liga pra um na coordenação, ah você tem que falar com fulano. […] Se ouvir dentro da ESF, bando de mulher vagabunda! Por que não tem a fita de fazer glicemia vai fazer 02 anos, pra medir a glicose, então eles acham que a culpa é das agentes, se o médico sai as nove e meia, as agentes que não valem nada! Tem que botar fogo em vocês, é desse jeito. […] Eles xingam e só faltam bater na gente (Fala do Agente F) [grifo nosso].

 […] quando comecei as famílias não me atendiam nas casas, muitos da minha área têm plano de saúde, Agros, e diziam que o ACS nunca fizeram nada por eles (Fala do Agente M).

A desvalorização profissional do trabalho do ACS não era reconhecido pelos usuários, por não atuarem diretamente na melhoria da qualidade de vida dessa população.20 Os problemas por eles enfrentados eram de ordem estrutural. Assim, o profissional dependia de políticas econômicas e sociais para sua intervenção. Essa desvalorização do trabalho que ocorria no espaço institucional e comunitário, gerava para o ACS uma espécie de sofrimento e angústia por não conseguir resposta imediata que a população necessita, idealizando para si, o papel de porta voz dessas necessidades.21

Eu sou a pessoa que tá ali para ajudar. […] quando eu vou entregar uma receita, ou eu passo lá, elas falam: que bom que você veio, que você tá aqui. Sabe: ah! você conseguiu! (Fala do Agente T).

Quando você consegue resolver, uma consulta que você consegue para a família, algum atendimento, poucas vezes assim a família consegue rápido, as vezes com seu jeitinho, com seu esforço, ah! Vou lá converso com a coordenadora, tudo você consegue resolver, nossa, você fica, você vê a família assim, como que fica feliz fica agradecida sabe! Então tem uns que reconhecem, então assim, acho que isso é um ponto positivo, eu acho, a gente se sente útil, sabe. (Fala do Agente B).

Não sei dizer se lá na ESF, da enfermeira, do doutor, se eu tenho algum valor, mas na minha micro área eu tenho muito valor, pelo menos assim, dos usuários, das famílias eles me valoriza bastante e eu fico muito feliz com isso (Fala do Agente M).

 […] a família reconhece nosso trabalho, agradece (Fala do Agente A).

A falta de capacitação e treinamento compromete a comunicação com a comunidade. Apesar de os ACS conhecerem a realidade local dos usuários dos serviços de saúde da UBSF, estes não conseguiam fornecer muitas orientações sobre saúde principalmente porque os usuários consideram que as informações de prevenção já são por eles conhecidas, como relatado pela Agente “A”.  Isso demonstra, mais uma vez, que a educação em saúde deve ser um processo de ampliação da consciência sanitária dos usuários e não o simples repasse de informações, visando uma mudança de comportamento, respeitando o saber popular:

Tem que fazer caminhada, não come muito sal, não pode fumar, a gente fala, mas eles já sabem e fazem assim mesmo (Fala do Agente A).

O processo de saúde remete-nos à discussão da prestação de serviços, cujo resultado deve ser a melhoria nas condições de saúde de outro sujeito. Por isso há a necessidade de se estabelecer uma comunicação eficiente entre o que presta a informação ou serviço e o que recebe essa informação ou esse serviço. Tal fato passa necessariamente por uma mudança na forma de se trabalhar, valorizando a comunicação, proporcionando uma visão estratégica por parte da equipe.22

Embora o envolvimento e a comunicação sejam essenciais para a efetividade do seu trabalho, tal aproximação pode resultar também em momentos de insatisfação com o ambiente de trabalho. A falta de privacidade, por exemplo, foi mais uma queixa dos ACS. Verificou-se que tal situação era frequente devido à proximidade de moradia do ACS com a população assistida. A fala do Agente “F” retrata esta realidade:

A gente não trabalha de segunda a segunda não, porque a gente mora no bairro, às vezes eu tô em casa, deitada, chama, bate um, como que você vai destratar uma pessoa? Vai destratar uma pessoa que tá passando mal, então liga no meu celular às cinco da manhã: que horas que vai sair a consulta? (Fala do Agente F).

Os sujeitos sentem dificuldades em impor limites no ato do atendimento, por se sentirem parte integrada do problema por viverem na comunidade assumindo também seus problemas5 20

Neste aspecto, autores afirmam que:

Sendo um integrante da comunidade, o ACS vive situações semelhantes às dos usuários do serviço e uma relação de identificação com as condições de vida e saúde da população. Essa aproximação identitária de classe social possibilita compreender as condições e os valores socioculturais da comunidade, bem como as suas necessidades.21

Para atuar como ACS é necessário, além de residir na comunidade, ter algumas habilidades e competências, para orientar as famílias na questão da prevenção de doenças. Durante a realização do GF verificou-se que os ACS não estavam aptos a prestar a assistência de qualidade, explicado pela falta de treinamento e capacitação, o que pode ser constatado nas falas dos Agentes “B”, “A”, “M” e “P”:

 […] a gente entra para trabalhar, passa num concurso tudo, mas não tem um preparo antes, vai assim sem saber de nada, se não tiver uma pessoa de boa vontade ali dentro, assim, que possa te ajudar você fica perdida […] viu mais ou menos como que funciona, você pega sua pastinha e sai e vai ver o que que a pessoa precisa […] por isso eu acho que deveria ter para você não ficar tão perdida. (Fala do Agente B).

 […]falta de treinamento, porque surge uma campanha nova, um problema, né, então tinha que ter um treinamento […] na campanha de vacina, a gente não sabe dizer direito, faixa etária (Fala do Agente A).

A minha enfermeira, me deu uma pasta com todas as famílias que a gente tem na minha micro-área e falou pode ir[…] sem uniforme sem nada, portanto eu bati numa casa, a mulher olhou da janela assim, cadê seu uniforme, não tá de uniforme, crachá não tá de nada, como que eu vou saber que você é Agente de Saúde? […] a blusa eu tenho, mas o crachá não chegou até hoje (Fala do Agente M).

Lá a gente sempre conversa uma com a outra, nesse horário assim, de 7 horas até 8 e meia que a gente tá tomando café, organizando a papelada, o que eu não tenho dúvida eu ‘exprico’, o que eu sei eu passo para os outros, e referente também ao atendimento à população, sempre que eu posso tá orientando assim, se eu souber alguma coisa assim até além que não seja da ESF assim essas coisas, conversando, então assim, diálogo direto, o tempo todo e isso é muito bom (Fala do Agente P) [grifo nosso].

Não estão à disposição desses profissionais ferramentas de ensino-aprendizagem que favoreçam o conhecimento popular e técnico, indispensável à promoção da saúde.5

Perguntou-se aos ACS se eles entendiam qual seria sua função dentro da equipe de trabalho, se os papéis estavam bem definidos. A partir deste questionamentos, identificou-se que o desvio de função era uma prática comum nas UBSFs avaliadas. O exercício da atividade profissional do ACS envolvia até a transcrição de receitas médicas, sendo esta uma conduta inadequada, relatada abaixo pela Agente “A”:

Ah, lá no nosso não é todo mundo que pode fazer não, a enfermeira as vezes faz, a enfermeira chefe mesmo, e tem uma agente lá, o médico, é só responsabilidade dela assim é mais serviço para ela e isso tem o conhecimento lá de cima, da Secretaria, não é escondido né […] não é qualquer, se não tiver no prontuário já relatado que a pessoa usa aquilo, aquele medicamento não pode […] se não entender qual medicamento que é não é para fazer, só os que já sabe,[…] tem que ter segurança (Fala do Agente A).

Entre os ACS, o estudo identificou a Enfermeira que coordena a eSF e que determina quem realizará e como serão realizadas as tarefas e as atividades  sem compartilhar com os ACS as prioridades.

A justificativa para tal conduta era ganhar agilidade no trabalho do médico. No entanto, isso comprometia o trabalho do ACS. Estes são os aspectos informais e ocultos do trabalho.13 Aspectos estes facilmente comprovados na fala do Agente M:

Não, não é o doutor que gosta, assim eu acho, porque ela tem mais tempo de serviço, ela mesmo que se propôs e tá fazendo e a enfermeira também faz (Fala do Agente M).

Todo processo de trabalho envolve um ou vários sujeitos que realizam as ações e estabelecem objetivos, devendo-se considerar:

Nos processos de trabalho em geral, muitas vezes a atividade é realizada por apenas um indivíduo, embora raramente isso ocorra em todo o processo de trabalho. Trata-se, então, de um sujeito individual exercendo uma atividade ou um conjunto dado de atividades. Frequentemente, no entanto, encontramos, nos processos de trabalho, atividades coletivas, conjuntas ou complementares de vários indivíduos. Nesse caso falamos, normalmente, em trabalho de grupo ou de equipe.22

Podemos notar no discurso do participante a reprodução da desigualdade e do abuso de poder instituído como aspectos formais, naturalizando a ação.

O poder e a dominação estão ligados a domínios sociais específicos:

 […] as suas elites e instituições profissionais e as regras e rotinas que formam a base da reprodução discursiva cotidiana do poder nesses domínios e instituições. As vítimas ou os alvos desse poder são normalmente o público ou os cidadãos em geral, as “massas”, os clientes, os sujeitos, a audiência, os estudantes e outros grupos que são dependentes do poder institucional e organizacional.18

As atividades e ações diárias dos ACS não eram planejadas, assim, acabavam sendo desenvolvidas no improviso, como demostrou a fala dos Agentes “A” e “M”

[…] quando planejo dá tudo errado. […] não só com a enfermeira, mas as Agentes também, podia reunir para discutir os problemas da semana (Fala do Agente A).

Temos reunião lá uma vez por mês com a enfermeira (Fala do Agente M).

A falta de capacitação pode ser um dos fatores determinantes para o improviso das atividades realizadas pelos ACS, reforçado pelas questões políticas e de gestão.

Na percepção dos ACS, existem vários fatores que desestimulam e desmotivam o planejamento do trabalho, como: baixa remuneração; ameaças; medo de perder o emprego; instabilidade no emprego; falta de privacidade; falta de diálogo entre os ACS; falta de dialogo com a coordenação; desconhecimento das atribuições; realização de faxina na UBSF; atendimento na recepção ou farmácia; responsabilização pelas famílias pela falta de vaga; responsabilização pelas famílias pela falta de medicamentos e exames; condições insuficientes para a realização das tarefas; falta de identificação; falta de treinamento e capacitação; excesso de burocracia; falta de senso de equipe; acúmulo de tarefas; levar atividade para ser realizada em casa; transcrição de receitas; espaço inadequado; falta de planejamento em equipe; rotatividade de pessoal; sobrecarga de trabalho.

A análise descritiva dos fatores de desestímulo e desmotivação para o planejamento do trabalho sugere que existem problemas técnicos de cunho profissional, como a falta de comunicação entre a eSF, o acúmulo de tarefas, desconhecimento das atribuições, a falta de recursos humanos para a realização das atividades administrativas, transcrição de receitas pelos ACS, sendo esta última uma atribuição do médico e, em alguns casos, possível de ser realizado pelo enfermeiro. Assim(,) a falta de planejamento interfere de forma negativa no desenvolvimento das tarefas diárias dos ACS, dificultando a comunicação com a comunidade e a definição de prioridades. A falta de privacidade configura-se como um problema de caráter pessoal que impede a motivação para a realização das tarefas e atividades de forma planejada e organizada. Foi possível identificar problemas de caráter político e de gestão que também interferem no desempenho das atividades dos ACS, como a rotatividade de pessoal, espaço inadequado, a instabilidade no emprego, as ameaças e a responsabilização dos ACS por parte dos usuários pela falta de vaga em consultas e exames que, além de impedir o bom desempenho dos profissionais, desmotiva e gera sofrimento entre os ACS.

Conclusão

A inexistência de planejamento contribuiu para a ineficácia dos serviços prestados pelos ACS às famílias. A falta de planejamento e habilidade para lidar com usuários de drogas e pacientes com algum tipo de doença mental dificulta a realização de tarefas prescritas. Os ACS estavam desmotivados pelo excesso de sobrecarga de trabalho e pela falta de capacitação para a realização das tarefas diárias.

As prioridades dos grupos e famílias não são discutidas em equipe. Observou-se um desequilíbrio entre o desejo do ACS de realizar satisfatoriamente as atividades e de atender às expectativas das famílias, influenciado pela precarização das condições do trabalho e  pela  falta de planejamento demonstradas, são um agravante para o mau desempenho dos ACS.

Baseado no que foi exposto, entende-se que a efetivação do planejamento como uma questão estratégica na organização do trabalho dos ACS, instituindo uma rotina discutida e planejada, poderia contribuir para garantir a participação da comunidade no controle social dos serviços prestados pela ESF. Tal fato pode ser colocado como um desafio para os municípios, e contribuiria para maior eficácia das ações desenvolvidas pelos profissionais da saúde em especial da Estratégia Saúde da Família.

A utilização do grupo focal para estudos desta natureza demonstrou que é um importante instrumento para o Assistente Social, na análise e compreensão planejamento do trabalho do ACS, conforme apresentado nos relatos de experiências dos participantes.

O método trouxe para a pesquisa a compreensão das estratégias utilizadas pelos profissionais no exercício de sua atividade laboral, bem como as dificuldades enfrentadas em seu cotidiano profissional.

Para esta finalidade as equipes de saúde das UBSFs necessitam melhorar a formação de seu corpo técnico e administrativo, pois um profissional, que poderia contribuir na formação da rede socioassistencial, é o de Serviço Social que tem entre outras atribuições: “investigar, formular, gerir, executar, avaliar, e monitorar políticas sociais, programas e projetos nas áreas de saúde […]. Realiza […] capacitação, treinamento […] favorece o acesso da população usuária aos direitos sociais”.22

Pôde-se constatar que, utilizando o grupo focal, a interação do pesquisador com os participantes foi ampliada, permitindo explorar de forma mais efetiva os temas discutidos.

Agradecimento

Agradecemos ao CNPq pelo aporte financeiro disponibilizado a este estudo com a concessão de bolsa.

Referências

  1. Lacerda, JT, Magajewski, FRL, Machado, NM.Processo de trabalho e planejamento na estratégia saúde da família. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. Especialização em Saúde da Família – Modalidade a Distância. Florianópolis: UFSC, 2010. Disponível em <https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/191> Acesso 12/01/14.
  2. Campos, FCC, Faria, HP, Santos, MA. Planejamento e avaliação das ações em saúde. Nescon Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina/UFMG,2010.
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. O trabalho do agente comunitário de saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009.
  4. Santos, MR. Agente Comunitário de Saúde: Perfil Social X Perfil Profissional. Rev APS, 7(2), 2004, p.125.
  5. Coriolano, MWL, Lima, LS. Grupos Focais com Agentes Comunitários de Saúde: Subsídios para Entendimento Destes Atores Sociais. Rev de Enfermagem da UERJ, Rio de Janeiro, 18(1), 2010, p. 92-6.
  6. Trad, LAB. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis [online]. 19(3), 2009, p. 777-796.
  7. Babour, R. Grupos Focais. Porto Alegre: Artumed, 2009.
  8. Iervolino, AS, Pelicioni, MCF. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Rev da Escola de Enfermagem da USP, 35(2), 2001, p.115-21.
  9. Peduzzi, M, Schraiber, LB. Processo de trabalho em Saúde. Dispon&i, acute;vel em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/protrasau.html>. Acesso em: 13 jan. 2014.
  10. Ferreira, MC, Barros, PCR. (In)Compatibilidade Trabalho Prescrito – Trabalho Real e Vivências de Prazer-Sofrimento dos Trabalhadores: Um Diálogo entre a Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho(*).Revista Alethéia,Ulbra, Canoas RS (2003).
  11. Brito, JC. Trabalho Prescrito.Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapre.html> Acesso em: 13 jan. 1014.
  12. Faria, HPF, Werneck, MAF, Santos, MA, Teixeira, PF. O processo de trabalho em Saúde. Belo Horizonte, Nescon Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina/UFMG. Editora Coopmed, 2009.
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  14. Dab – Departamento de Atenção Básica – Histórico da cobertura da Saúde da Família. Disponível em <http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php> Acesso em: 06 fev. 2014.
  15. Roosevelt, E. Coragem: frases e pensamentos. Disponível em <http://pensamentos.com.sapo.pt/coragem.htm>. Acesso em: 22 set. 2013.
  16. Fernandes, CA. Análise do discurso: reflexões introdutórias. São Carlos: Editora Claraluz, 2a ed. 2008.
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  21. Souza, LJR, Freitas, MCS de. O Agente Comunitário de Saúde: Violência e Sofrimento no Trabalho A Céu Aberto. Rev Baiana de Saúde Pública. 35(1), 2011, p.96-109.
  22. Cress-To. Cartilha de orientação do Assistente Social. 25 Regional – Palmas, 2010.

Autores

Gracilene Maria Almeida Muniz Braga: Mestre/Universidade Federal de Viçosa-MG – (Docente – Departamento de Serviço Social – EMESCAM).

Simone Caldas Tavares Mafra: Doutora/Universidade Federal de Viçosa – (Docente – Dept. de Economia Doméstica – UFV).

Emília Pio da Silva: Doutora/Universidade Federal de Viçosa – (Bolsa de Pós Doutorado).

Andreia Patrícia Gomes: Doutora/Universidade Federal de Viçosa – (Docente Dept. de Medicina – UFV).

Mônica Santos Souza Melo: Doutora/Universidade Federal de Viçosa – (Docente – Dept. de Letras – UFV).

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