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GASTROSQUISE: INCIDÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS

Submetido em 9 Maio 2016

 

Resumo

A gastrosquise é um defeito de fechamento da parede abdominal com exteriorização de estruturas intra-abdominais, sem causa totalmente estabelecida. Sua prevalência tem aumentado em diversas populações, tornando-se um problema de saúde pública. A descrição clínica de novos casos e a investigação dos fatores associados em cada população é importante para a melhor compreensão da etiologia da doença e adoção de medidas de prevenção. Objetivos: Descrever uma série de casos de gastrosquise identificando a incidência e fatores associados. Método: Foram avaliados oito casos de recém-nascidos (RN) com gastrosquise em um hospital escola, durante abril de 2011 a abril de 2012. As variáveis analisadas foram colhidas do banco de dados do estudo “Caracterização Clínica e Epidemiológica das Anomalias Congênitas nas Maternidades de dois Hospitais-Escola do Município de Vitória – ES” e dos prontuários das mães e dos RN. Os pacientes nascidos nesse período foram investigados quanto à presença de anomalias congênitas. Resultados: Foram descritos oito casos de gastrosquise, os quais foram comparados com 1139 RN no mesmo período e sem anomalia congênita. Nenhuma das mães dos casos possuía nível de ensino superior, cinco planejaram a gestação, 87,5% das mães primigestas, sendo a mediana da idade materna dos casos (21 anos) reduzida em relação ao grupo controle (26 anos) p=0,0089). Foi observada 12,5% de recorrência familial. O óbito ocorreu em três casos, um deles com cariótipo 46, XX inv.9. Conclusão: As taxas de mortalidade, prematuridade e baixo peso ao nascimento foram muito elevadas. A ocorrência de gastrosquise foi associada à baixa idade materna, a fatores sócioeconômicos e genéticos. *Autor para correspondência E-mail: flavia.errera@emescam.br

Palavras‐Chaves: Gastrosquise; Fatores de Risco; Anormalidades Congênitas; Incidência

Introdução

Gastrosquise é uma malformação congênita (OMIM 230750) caracterizada por um defeito na parede abdominal, com a exteriorização de vísceras abdominais, particularmente, o intestino. O cordão umbilical normalmente não sofre alterações pelo fato de o defeito se localizar na região para-umbilical e geralmente à direita.1 A hipótese mais aceita para explicar a etiologia desse defeito é a ocorrência de isquemia da parede abdominal durante seu desenvolvimento. Entre a 5ª e a 8ª semanas da embriogênese ocorre uma transição nutricional, com a involução da veia umbilical direita à artéria onfalomesentérica direita. A disrupção embrionária de um desses vasos ou o desencontro no tempo dessa transição vascular pode provocar isquemia.2 Apesar de bem aceita, essa hipótese não explica os casos de gastrosquise à esquerda. Outra hipótese relacionada à etiologia da gastrosquise é a hipótese das três partes. Esta consiste em (1) uma trombofilia estrogênica precoce, que se dá, principalmente, no primeiro trimestre da gestação em mães jovens e primigestas; (2) diferentes respostas à trombose, de acordo com a etnia e, (3) subprodutos trombóticos que podem interferir com a sinalização inicial do desenvolvimento.3 Além dessas, Jones et al (2013) mais recentemente sugeriram a hipótese que uma inflamação materna no início da gestação, possivelmente resultante do desequilíbrio no metabolismo de ácidos graxos, possa levar à disrupção vascular. A prevalência da gastrosquise tem aumentado progressivamente em todas as regiões do mundo. Próximo à década de 60, quando se iniciaram os programas de vigilância e coleta de dados sobre malformações congênitas, era de 1:50.000 nascimentos e tem aumentado cerca de 10 a 20 vezes em várias populações desde então. Atualmente, apresenta razões de 1-2 a 4-5 por 10.000 dependendo da população em estudo. Segundo dados do Estúdio Colaborativo Latinoamericano de Malformações Congênitas (ECLAMC), a prevalência na América do Sul é de 2,9:10.000.4 A etiologia da gastrosquise é desconhecida, e mesmo sua patogenia ainda é pouco conhecida. Os fatores de risco não-genéticos para gastrosquise incluem os sociodemográficos, sendo a escolaridade o mais importante, medicação terapêutica materna, exposições a drogas não terapêuticas, sendo a idade materna reduzida (< 20 anos), o tabagismo, o consumo de drogas ilícitas os fatores mais replicados.5 Por outro lado, não há consenso quanto à contribuição dos fatores genéticos, sendo observada recorrência familial em 4,7% dos casos. Estudos recentes têm identificado interações entre tabagismo materno, variantes genéticas (single nucleotide polymorphism -SNP) no gene da enzima óxido nitrico sintase e o risco de gastrosquise.5 O objetivo deste estudo é relatar a incidência de gastrosquise, com descrição de oito casos e fatores associados.

Método

Este estudo retrospectivo é parte integrante do projeto “Caracterização Clínica e Epidemiológica das Anomalias Congênitas nas Maternidades de dois Hospitais-Escola do Município de Vitória – ES” (aprovado no CEP EMESCAM sob nº 148/2010), um estudo transversal que envolveu quatro instituições de ensino superior, duas maternidades de dois hospitais-escola e um hospital infantil de referência do estado do Espírito Santo (ES), e que teve como finalidade a caracterização clínica e epidemiológica das AC no ES, por meio da avaliação clínica dos recém-nascidos (RN) nas maternidades dos Hospitais-escola Santa Casa de Misericórdia de Vitória (HSCMV) e Cassiano Antônio de Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo (HUCAM/UFES). A participação do RN e de sua mãe na pesquisa foi autorizada por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados das mães que participaram da pesquisa foram obtidos por meio de entrevista e análise dos prontuários. Durante doze meses, os RN foram avaliados 24 horas após o nascimento por neonatologistas e pediatras para verificar a presença de AC maiores e menores utilizando, durante o exame físico, o protocolo de Merks et al. (2003) modificado. Dentre os RN avaliados, aqueles com pelo menos 1 anomalia maior e aqueles com pelo menos 3 ou mais anomalias menores foram encaminhados para os ambulatórios de genética do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), para avaliação clínica específica, acompanhamento dos pacientes e familiares, diagnóstico e aconselhamento genético. O sangue periférico foi coletado para estudo citogenético e/ou do DNA, o qual foi isolado utilizando kits comerciais (Gentra e Puregene Blood Kit, Qiagen). Os dados clínicos, do cariótipo, e dos exames complementares foram analisados pela equipe e utilizados para estabelecer a etiologia das AC no que se refere ao tipo e à frequência das alterações genéticas. Os dados clínicos dessas mães e seus RN foram dispostos em um banco de dados contendo cerca de 70 variáveis. Variáveis das mães, dos pais e dos RN diagnosticados com gastrosquise no HUCAM foram obtidas do banco de dados e dos prontuários das mães e dos RN. As famílias foram abordadas nos hospitais, domicílio e ao telefone. As variáveis dos RN analisadas foram: sexo, idade gestacional (IG), parâmetros antropométricos (peso, comprimento, perímetro cefálico e adequação do peso para idade gestacional), prematuridade, AC associadas (maiores e menores), história familial de AC e cariótipo (quando disponível), tempo de internação e desfecho. Além dessas, foram investigadas idade e ocupação tanto materna quanto paterna, escolaridade materna, paridade, aborto, natimorto, planejamento da gestação, utilização de ácido fólico, presença de doenças crônicas, sorologias para agentes do TORCH (quando disponíveis), exposição a medicamentos, álcool, tabaco e drogas ilícitas. Foi considerado prematuro todo RN que nasceu com IG inferior a 37 semanas de gestação6, e o peso ao nascimento foi considerado baixo quando menor que 2500g e muito baixo peso quando menor que 1500g.7 Os pacientes que foram diagnosticados com gastrosquise foram considerados casos e os pacientes sem AC foram considerados controles. A análise estatística foi realizada utilizando o Programa GraphPad Prism e SPSS versão 11.0. O teste de Kolmogorow–Smirnov foi utilizado para verificar se as variáveis apresentavam distribuição normal. Variáveis em que a distribuição de probabilidade não foi normal, a mediana foi considerada e o teste Mann Whitney aplicado. Variáveis categóricas foram analisadas pelo teste exato de Fisher. Valores de χ2 menores que 0,05 foram considerados significativos. Resultados No período de abril de 2011 a maio de 2012 foram atendidos 1242 RN no Hospital Santa Casa e 1057 no HUCAM, totalizando 2299 RN, sendo 1148 (49,94%) do sexo feminino e 1145 (49,8%) do sexo masculino. Sexo indefinido foi observado em três casos (0,13%): dois com genitália ambígua e um sem genitália externa e ânus. Em outros 3 não foi possível obter essa informação. Dos 2299 RN estudados oito foram diagnosticados com gastrosquise (casos), resultando em uma incidência aproximadamente de 1/287 nascimentos. Todos os RN com gastrosquise nasceram no HUCAM, hospital de atendimentos a gestante de alto risco. A amostra controle foi constituída por 1139 RN (49,54%), sendo 575 (50,48%) do sexo feminino e 564 (49,52%) do sexo masculino. Dos oito casos, quatro eram do sexo masculino e quatro do sexo feminino. A mediana de IG foi de 36 semanas (31-38 semanas) e seis nascimentos foram pré-termo. A mediana de peso ao nascimento foi de 2.240g (1440g – 3756g), quatro RN nasceram com baixo peso, sendo um deles, classificado como muito baixo. Em relação à ocorrência de anomalias associadas, verificou-se a presença de mais de uma AC em três casos. Dos três RN que foram a óbito, dois possuíam AC associadas. Em três casos a história familial de AC foi positiva, sendo que em um deles, há relato de gastrosquise em um primo (Tabela 1). A idade materna variou de 13 a 25 anos, sendo a mediana 21 anos (13 – 26; IC95%: 17,16-23,84). Na amostra controle (N=1133), a mediana foi de 26 anos (14 – 64, IC95%: 26,43 – 27,22; P=0,0089). Duas mães tinham menos de vinte anos de idade, três com vinte anos e três acima desta faixa etária. Sete mães eram primigestas, e apenas uma multigesta (G3). Nenhum caso de natimorto ou aborto espontâneo foi encontrado na amostra analisada. Cinco mães planejaram a gestação, em duas a gestação não foi planejada e em um dos casos essa informação não foi possível. Todas as mães fizeram uso de ácido fólico apenas durante a gestação. Foi observado que uma mãe apresentava Hipercolesterolemia Familiar e outra Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG). Sorologias para sífilis, hepatite B e HIV foram negativas em três mães, sendo em duas destas encontradas sorologias negativas também para hepatite C, toxoplasmose e rubéola. Duas mães negaram o uso tanto de álcool quanto de tabaco e de drogas ilícitas durante a gestação, não sendo encontrados dados a respeito dessas variáveis nos demais prontuários. Analisando os fatores sócioeconômicos destaca-se a escolaridade, em que três apresentaram nível fundamental completo e cinco, ensino médio completo, não sendo observada a formação em nível superior. A idade paterna variou de 18 a 26 anos (mediana 22,5 anos).  Legenda: F: Feminino; M: Masculino; IG Idade Gestacional; PC Perímetro Cefálico; AIG: Adequado para Idade Gestacional; PIG: Pequeno para a Idade Gestacional; S: Sim; N: Não; AC: Anomalias Congênitas Fonte: Próprio autor

Discussão

A incidência de gastrosquise no hospital estudado foi de 1:287 nascimentos, indo ao encontro de dados de diferentes regiões do Brasil e do mundo, que mostram um aumento dessa incidência. Na década de 60, após a implantação de programas de vigilância e coletas de dado referentes a malformações congênitas em vários países do mundo, a incidência era estimada em 1:50.000 nascimentos. Nas duas últimas décadas foi observado um aumento desta taxa e, de acordo com os dados do Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC), a prevalência na América do Sul é de 2,9:10.000.4 Deve ser ressaltado que os oito RN nasceram na maternidade de um hospital que atende gestantes de alto risco. Hunter e Stevenson8 relataram que há relação da prematuridade e do baixo peso ao nascimento com gastrosquise, fato este observado em nosso estudo, no qual a prematuridade foi vista em seis RN, com mediana de IG de 36 semanas e do peso de 2.240g, sendo o peso baixo ao nascimento em quatro deles e considerado apropriado em apenas quatro casos. Segundo esses autores, nas grandes séries publicadas nas duas últimas décadas, a idade gestacional média foi de 36,2 semanas e o peso médio foi de 2400g. A presença de AC graves, ou síndromes genéticas associadas à gastrosquise é pouco frequente, sendo observada em 6,8% a 20% dos casos, porém podem ocorrer malformações locais, tais como atresias ou estenoses intestinais.9 Entretanto, Patroni et al,10 analisando 24 casos, encontraram uma elevada incidência, em torno de 37,5%. A incidência encontrada no presente estudo foi de 50%, maior do que as relatadas até o momento (Tabela 1), possivelmente pela utilização do protocolo modificado de Merks et al (2003), treinamento da equipe de neonatologistas e pediatras, bem como a triagem realizada ainda na maternidade. Deve ser ressaltado que a utilização desse protocolo contribuiu para a identificação de várias AC menores, observadas em quatro casos, sendo as anomalias auriculares as mais comuns. Em dois casos foi realizado o cariótipo, um mostrou resultado normal e no outro foi encontrado uma variante da normalidade (Tabela 1). Poulain et al,11 também observaram elevadas taxas de associação com outras AC (20% ou mais), tais como pé torto congênito, micrognatia, clinodactilia, holoprosencefalia, ausência unilateral da ulna e do rádio e aneuploidias, concluindo que embora a gastrosquise seja menos frequentemente associada a outras malformações e anomalias congênitas, é prudente realizar uma ultrassonografia detalhada e uma análise de cariótipo em todos os casos. Um dado interessante foi observado em relação às alterações cromossômicas consideradas “variantes da normalidade”, as quais são encontradas em 3 a 4% da população geral, sendo mais frequentes em indivíduos de cor preta (3,57%) do que em brancos (0,73%), em mulheres e em pacientes com Síndrome de Down. Nesse trabalho um RN apresentou a variante inv9 e foi a óbito. Há controvérsias quanto à patogenicidade dessas variantes, porém alguns autores mostram associação positiva à fertilidade reduzida, leucemia, esquizofrenia, abortos e AC inespecíficas.12 Com o uso de metodologias genômicas esta controvérsia poderá ser esclarecida. As principais variáveis relacionadas aos óbitos em RN com gastrosquise são baixo peso ao nascimento, prematuridade e presença de infecções,13 porém nenhum desses são fatores específicos dessa AC. A complexidade da gastrosquise é um fator específico para elevação da morbidade e mortalidade. Tal complexidade é determinada por grande comprometimento intestinal, sepse ou complicações por Síndrome do Intestino Curto.9 Em nosso estudo observamos em um caso como causa do óbito pneumonia, possivelmente devido a longos períodos de ventilação mecânica.14 Em outro caso observamos como causa do óbito, choque hipovolêmico e insuficiência renal; este paciente foi reoperado, e apresentou grave edema de alça, fator complicador de prognóstico. Alguns estudos discutem a influência do pré–natal sobre a taxa de mortalidade de pacientes com gastrosquise. Um estudo retrospectivo mostrou associação entre a não realização de pré-natal e uma maior taxa de mortalidade dos pacientes com gastrosquise. Segundo esses autores, quando o pré-natal não é realizado adequadamente, o diagnóstico de gastrosquise não é feito durante esse período e com isso, não há um manejo adequado dos pacientes.15 Ainda nesse estudo, Sbragia et al,15 constataram que o desconhecimento desta AC durante a gestação provavelmente resulta em ausência de cuidados adicionais durante o parto, os quais visam reduzir a contaminação da cavidade abdominal. Além disso, eles observaram que o conhecimento prévio da gastrosquise possibilita transferência materna para um centro de atenção terciária, propiciando uma tomada de decisões mais adequada em relação à criança. No presente estudo, apenas uma das mães não realizou o pré-natal e o seu RN não veio a óbito. Em um estudo nacional, Vilela et al,16 relatam uma mortalidade de 53% dos casos de gastrosquise em uma população do nordeste brasileiro. Contudo, eles estudaram uma população em que o acesso a um bom atendimento é precário. Nessa série de casos foi evidenciada uma taxa de mortalidade de 37,5% o que apesar de elevada ainda se encontra menor do que em algumas regiões brasileiras, tal como o Nordeste em que chega a ser de 52%.4 Diferentemente, países desenvolvidos apresentam baixa taxa de mortalidade, e a sobrevida nesses locais está acima de 90%. A taxa de mortalidade de 25% (2/8) é menor que as encontradas no Nordeste e em Porto Alegre. Com relação à idade materna, obteve-se uma mediana de 20 anos de idade (13-25 anos), o que corrobora dados de outros estudos, tal como Feldkamp et al,5 no qual a baixa idade da mãe (< 20 anos) se demonstra como um fator de risco para o aparecimento da gastrosquise. Em relação aos fatores sócioeconômicos, foi visto que nenhuma das mães possuía ensino superior, e que cinco delas possuíam ensino médio completo. Vu et al,17 verificaram que no estado da Califórnia a prevalência de gastrosquise era maior em mães com menor grau de instrução, ou seja, que não possuíam ensino médio completo (46,27%). Em um estudo realizado no Brasil, entre 2000 e 2004, Guerra et al18 observaram maior frequência de AC, incluindo gastrosquise, nos RN de mães com menos anos de estudo; além disso, eles constataram que a diferença das prevalências entre as mulheres com menor escolaridade e aquelas com 12 anos ou mais de estudo aumentou durante todo o período estudado, chegando ao máximo em 2004: 106,5/10 mil (0-7 anos de estudo) e 60,8/10 mil (12 e mais anos de estudo). Mais recentemente, em estudo de caso-controle, Nhoncanse et al19 encontraram número maior de mães com escolaridade igual ou inferior a oito anos de estudo no grupo com AC (casos). Estes autores relataram haver provável evidência de que a baixa escolaridade seja responsável pela maior exposição aos teratógenos, devido ao nível precário de conhecimento dos riscos envolvidos. No entanto, estes dois últimos estudos não analisaram a relação entre escolaridade e gastrosquise diretamente, apenas foi avaliado o grau de escolaridade com relação a anomalias congênitas, mesmo que a gastrosquise estivesse incluída neste meio. Entretanto, resultados contrários foram obtidos por Reis e Ferrari20, os quais buscaram identificar o perfil sociodemográfico das mães de RN com AC, e encontraram número maior de casos de AC nos RN de mães com ensino médio (37,9%), quando comparadas às mães com ensino fundamental (5,2%) ou nenhuma escolaridade (0,6%), em um total de 174 casos. O consumo de drogas ilícitas tem-se mostrado forte fator de risco para o aparecimento de gastrosquise, principalmente quando há uso de mais que uma droga em associação (cocaína, anfetaminas e maconha) ou se comparado ao uso único e em que ambos os pais fazem uso de entorpecentes. É o que mostra o estudo de base populacional com dados do Programa de Monitoramento de Defeitos de Nascimento da Califórnia – EUA (CBDMP), realizado por Torfs et al.21 O aumento do risco pelo tabagismo é maior em mulheres mais velhas (>25 anos) e em grupos sócioeconômicos elevados.22,21 Nenhuma das gestantes desse trabalho relatou uso de álcool, tabaco ou drogas ilícitas. Alguns pacientes fizeram uso de medicações, tais como Metildopa, Bromoprida, Clonazepam e Cloridrato de Etilefrina, entretanto, atualmente não há estudos que comprovem a relação de tais medicações com o surgimento da doença. Em um estudo, Aceves et al23 demonstraram haver relação entre o surgimento de gastrosquise e o uso de contraceptivos hormonais durante primeiro trimestre da gestação. Em outro estudo, realizado por Mac Bird T. et al,24 o uso de ibuprofeno foi revelado como fator de risco, porém, em nosso estudo não foi relatado o uso destas medicações por nenhuma das mães. Torfs et al25 também citaram o uso de ibuprofeno, aspirina e descongestionantes como fortes fatores de risco e em contrapartida demonstrou que antibióticos, antieméticos, sulfonamidas e anticoncepcionais orais não oferecem risco.

Conclusão

As taxas de mortalidade, prematuridade e baixo peso ao nascimento associadas à gastrosquise foram muito elevadas. A ocorrência de gastrosquise foi associada à baixa idade materna, à presença de outras anomalias congênitas menores e a fatores sócioeconômicos e genéticos. A incidência de gastrosquise observada nesse trabalho foi muito alta e as associações observadas sugerem a necessidade de investigações adicionais, proposição e adoção de medidas preventivas.

Agradecimentos

Agradecemos à família do paciente pela cooperação. Somos gratos ao time de pesquisa e aos acadêmicos do Projeto de Anomalias Congênitas. Também somos gratos ao Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM), Hospital Santa Casa, Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG). À Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas Bolsas de Iniciação Científica, ao RMT (FAPES), LRSS (EMESCAM), VOB (EMESCAM), IHAB (CNPq), RCMQ (FAPES), MDP (FAPES), PGR (FAPES), AXF (FAPES). Esta pesquisa foi apoiada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde – Programa Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS/50809717/2010), Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA), Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), CNPq também através de Casadinho/PROCAD 06/2011 (Nº552672/2011-4), e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP/CEPID).

Referências

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Anexos

tab1

Autores

Rafaela Martins Togneri¹; Hector Yuri Conti Wanderley2; Andrea Lübe Antunes de S.Thiago Pereira3; Luiz Roberto da Silva Santos4; Vitor Ohnesorg Barbieri5; Maria do Carmo de Souza Rodrigues6; Larissa Souza Mario Bueno 7; Vera Lucia Maia 8; Geisa Hossokawa Eguchi Neves9; Sandra Willéia Martins 10; Ingrid Hellen André Barreto11; Renata Cristina Moreira Queiroz12; Marya Duarte Pagotti13; Aline Ximenes Fragoso14; Polyana Gonçalves Rocha15; José Carlos Frasson16; Regina Galvêas Oliveira Rebouças17; Maria Rita Passos Bueno18; Eliete Rabbi Bortolini19; Flávia Imbroisi Valle Errera20*

1,4,5,11,12,13 Acadêmico, Bolsista de Iniciação Científica, Medicina, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM, Vitória-ES, Brasil.

2 Especialista em Genética Médica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (Médico Regulador Estadual, Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória).

3 Mestre em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria, Universidade Federal De São Paulo – UNIFESP (Professor da disciplina de neonatologia na EMESCAM. Médica Pediatra e Neonatologista do Hospital Santa Casa – HSCMV e Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes – HUCAM/UFES.

6 Mestre em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Médica geneticista, Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes – HUCAM- Universidade Federal do Espirito Santo – UFES. Especialista em Genética Médica, Sociedade Brasileira de Genética Médica/Associação Médica Brasileira.

7 Mestre em Ciências Médicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Especialista em Genética Médica, Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória, ES, Brasil.

8 Doutora em Ciências Fisiológicas, Universidade Federal do Espirito Santo – UFES, Médica Pediatra, Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes – HUCAM/ UFES.

9 Médico Residente em Neonatologia, Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória – HSCMV.

10 Doutora e Mestre em Psicologia – Universidade Federal do Espirito Santo – UFES, Médica Neonatologista, Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes – HUCAM/UFES.

14 Bolsista de Iniciação Científica Associação Educacional de Vitória – (Estudante do Programa de Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local).

15 Farmacêutica – Bolsista de Apoio Técnico/ EMESCAM

16 Médico Cirurgião – Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes – HUCAM/UFES.

17 Mestre em Genética – Universidade São Paulo – USP, Médica Geneticista Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória Universidade Vila Velha – UVV-ES.

18 Doutora em Genética, Universidade São Paulo – USP, Bióloga, Professora Titular de Genética, Laboratório de Genética do Desenvolvimento Humano, Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo – IB/USP.

19 Doutora em Genética, Universidade São Paulo – USP, Bióloga, Associação Educacional de Vitória.

20 Doutora em Genética, Universidade São Paulo – USP, Bióloga, Professora de Genética e Biologia Molecular e Coordenadora do Laboratório de Genética Molecular da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM.

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