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H1N1 COM SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO E ENCEFALOPATIA: RELATO DE CASO

Submetido em 23 Setembro 2016

Resumo

Este artigo descreve um caso de Influenza A H1N1 em paciente feminina, 52 anos, previamente hígida. Apresentou pneumonia atípica com rápida evolução para insuficiência respiratória aguda e introdução relativamente tardia do Oseltamivir. Evoluiu com pneumonia estafilocócica secundária, Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo e Síndrome da Encefalopatia Posterior Reversível. Não inclusa na população prioritária às vacinações de gripe do Programa Nacional de Imunizações, a paciente não se encontrava vacinada. Atualmente o incremento de casos graves e mortes por H1N1 em 2016 reforça as orientações da Organização Mundial de Saúde para expansão da cobertura vacinal de gripe na redução da morbimortalidade.

Introdução

A gripe é uma infecção aguda e de distribuição universal causada pelo vírus Influenza que, há séculos, acarreta epidemias na população. Em 2009, uma nova variante desse vírus, o Influenza A H1N1, iniciou uma pandemia na cidade mexicana de La Gloria, Veracruz, que se espalhou mundialmente. A pandemia foi declarada encerrada em 2010, após um grande número de mortes.1

A infecção pelo vírus Influenza tem um espectro que varia desde uma doença afebril do trato respiratório superior até pneumonia viral fulminante. A maioria dos pacientes tem um quadro gripal com febre e tosse, sintomas que podem ser acompanhados por dor de garganta e rinorreia.1,2 Detecção de RNA viral por PCR continua sendo o melhor método para diagnóstico inicial.

As principais causas que levam à hospitalização e à necessidade de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) são pneumonia difusa, Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), sepse e choque. Com uma frequência relativamente baixa, há também o acometimento do Sistema Nervoso Central (SNC).1

Para o tratamento específico, é usado o Oseltamivir, antiviral que tem um efeito relativamente melhor quando administrado nas primeiras 24 horas. Em razão das mutações do vírus, recomenda-se a realização anual da vacinação.1,2

Relatamos o caso de uma paciente diagnosticada com influenza A (H1N1) que evoluiu com pneumonia difusa aguda, SDRA e Síndrome da Encefalopatia Posterior Reversível (PRES).

Relato de Caso

Paciente L.S.R., feminina, branca, 52 anos, portadora de Doença do Refluxo Gastroesofágico, em uso de Pantoprazol diário, sem antecedentes de tabagismo e etilismo. Iniciou febre evoluindo com mialgia, tosse seca, otalgia, náuseas e vômitos, adinamia e hiporexia. Procurou atendimento médico, sendo medicada com Azitromicina. Após cinco dias, foi hospitalizada e, ao exame físico, encontrava-se em regular estado geral, desidratada, hipocorada, anictérica, afebril (37,4°C), com oroscopia normal, ausência de linfadenomegalias e sem ruídos adventícios à ausculta pulmonar. Radiografia de tórax (Figura 1) com infiltrado pulmonar extenso bilateral, principalmente em bases, atelectasia e derrame pleural associado. A antibioticoterapia foi alterada para Levofloxacina.

Figura 1 – Radiografia de tórax em incidência póstero-anterior

figura 1 art 9

Fonte: próprio autor

A paciente evoluiu com dispneia importante, sendo necessária a transferência para a UTI e a substituição da antibioticoterapia por Ceftriaxone, Claritromicina e Sulfametoxazol/Trimetoprim (SMX/TMP). Evoluiu com choque séptico e insuficiência respiratória, necessidade de ventilação mecânica e posterior traqueostomia. A Tomografia Computadorizada (TC) de Tórax apresentou pneumonia bilateral intersticial em pulmão direito e base de pulmão esquerdo com áreas de vidro fosco, evidenciando SDRA. Bacterioscopias e culturas, BAAR e ELISA para HIV negativos levaram à suspensão do SMX/TMP e associação de Oseltamivir. No oitavo dia de UTI, piora radiológica, hemoculturas e culturas de secreção traqueal com Staphylococcus aureus oxacilina resistente orientaram início de Vancomicina e Meropenem, com interrupção dos demais antibióticos. Mantido Oseltamivir por cinco dias. No décimo dia, houve confirmação de PCR em swab nasal positivo para Influenza A H1N1. No 17.º dia, a paciente apresentou abertura ocular e resposta a estímulos, porém sem obedecer a comandos. Evoluiu com suspensão de todos os antibióticos e foi colocada em macroventilação.

No vigésimo dia, apresentou paresia à direta, plegia à esquerda e paralisia parcial facial também à esquerda. TC de Crânio e Ressonância Nuclear Magnética (Figura 2) mostraram imagens compatíveis com hemorragia intraparenquimatosa em lobos frontoparietal e occipital direito medindo respectivamente 2,2 cm x 2,9 cm e 1,7 cm x 2,3 cm, com edema e apagamento dos sulcos adjacentes.

Figura 2: RNM evidenciando: A) Sequência em T1 com lesões hemorrágicas nas regiões frontal e parietal direita; B e C) Sequências Flair mostrando hipersinal da substância branca nas regiões frontoparietais e lesões hemorrágicas à direita.

figura 2 art 9

Fonte: próprio autor

Com a hipótese de Leucoencefalite Necrotizante Hemorrágica Pós-infecciosa (Síndrome de Weston Hurst), foi iniciada pulsoterapia com Metilprednisolona por cinco dias. Após a corticoterapia, a paciente recuperou movimentos de membro inferior esquerdo. Angiografias arterial e venosa de crânio evidenciaram estreitamentos arteriais, e RNM mostrou redução do edema e das áreas hemorrágicas. Após 34 dias de internação em UTI, foi retirado todo o suporte ventilatório e mantida a traqueostomia, sendo a paciente transferida para o quarto. A alta hospitalar ocorreu 42 dias após a admissão. A rápida melhora do quadro neurológico e a revisão de imagens de RNM e TC de crânio fixaram diagnóstico de quadro neurológico como Síndrome da Encefalopatia Posterior Reversível. A paciente evoluiu com fisioterapia em casa, sem permanência de nenhuma sequela motora ou respiratória.

Discussão

Provocada pelo vírus Influenza, a gripe é capaz de causar epidemias anuais recorrentes e, menos frequentemente, pandemias. Em junho de 2009, quatro meses após seu início no México, a primeira pandemia de gripe do século 21 foi declarada pela Organização Mundial de Saúde como uma “pandemia de um novo vírus”, o Influenza A H1N1. Desde agosto daquele mesmo ano, um total de 177 países relatou 182.166 casos de gripe, dos quais 1.799 foram fatais. Sua resolução foi declarada em agosto de 2010, porém não antes que 200 milhões de pessoas fossem infectadas e aproximadamente 18.500 mortes confirmadas.1,2 De 2013 a 2014 e novamente em 2016, houve o retorno do subtipo H1N1, resultando em significativa morbimortalidade.

A gripe por H1N1 é altamente contagiosa, sendo normalmente uma infecção leve do trato respiratório superior associada à febre, tosse, mialgia, coriza, conjuntivite e dispneia.1,2 Apesar de geralmente autolimitada, inclui um subconjunto de pacientes com curso clínico desfavorável, sendo a Influenza grave comumente associada a complicações pulmonares.1 Apesar de vista com maior frequência em adultos mais velhos ou naqueles com condições de alto risco, observa-se que, tendo como exemplo o caso apresentado, a faixa etária abaixo de 60 anos e a ausência de comorbidades não são indicativos de ausência de risco à evolução desfavorável.1,2

Sabe-se que a evolução adequada na infecção pelo H1N1 depende, em geral, da forma como interagem os mecanismos pró e anti-inflamatórios intrínsecos de cada indivíduo. Inicialmente ocorre grande estímulo dos linfócitos T citotóxicos, importantes para a eliminação viral, junto com aumento na produção de IL-10, inibidora deles. Casos graves e fatais têm sido associados tanto à baixa presença quanto ao excesso de IL-10. No primeiro caso, permite-se hiperestimulação de linfócitos T citotóxicos, levando a lesões por autoagressão imunitária; no segundo, com a ação inibitória da IL-10 sobre esses linfócitos, cai a proteção contra infecções secundárias.3

Citam-se como as principais causas que levam à hospitalização e à necessidade de UTI, a pneumonia, a SDRA e, por vezes, a sepse e o choque1. Um estudo de 2009 envolvendo 189 UTIs realizado na Austrália e na Nova Zelândia evidenciou que quase a metade dos pacientes com infecção confirmada pelo H1N1 (48,8%) apresentou SDRA ou pneumonite viral e 20,3% foram clinicamente diagnosticados com pneumonia bacteriana secundária, em geral causada por Staphylococcus aureus (muitas vezes resistente à meticilina), Streptococcus pneumoniae, Streptococcus Pyogenes.1,4

Manifestações extrapulmonares, como as do SNC, também foram observadas na infecção pelo H1N1. Casos esporádicos de manifestações neurológicas foram relatados, incluindo alguns casos fulminantes.1,2 Como apresentado, a paciente abriu um quadro de tetraparesia, levantando, a princípio, a hipótese de Síndrome de Weston Hurst. Porém, com uma evolução extremamente favorável, ao contrário do observado nessa síndrome, essa hipótese se tornou pouco provável. Foi, então, aventada a hipótese de PRES, baseada no quadro iniciado após uma infecção viral e nas imagens sugestivas de TC e RNM de crânio.5

A suspeita clínica e a acurácia diagnóstica dos casos de Influenza A H1N1 variam na dependência de o caso ser esporádico ou ocorrer durante um surto reconhecido. Como descrito, a paciente foi admitida com todas as culturas e colorações de Gram negativas. Entretanto, detectou-se, posteriormente, PCR positivo para H1N1 mediante swab nasal, sendo a identificação de RNA viral, por essa técnica, o melhor método para o diagnóstico inicial.

Assim, apesar de importante para a conclusão diagnóstica, o início do tratamento antiviral não deve esperar a confirmação laboratorial, e pacientes com quadro clínico suspeito devem ser tratados empiricamente o mais rápido possível. O vírus H1N1 que circula atualmente é suscetível aos inibidores da neuraminidase, Oseltamivir e Zanamivir, mas é muito resistente à Amantadina e Rimantadina. Na prática clínica, o uso do Oseltamivir é o mais observado e seu início precoce pode reduzir o tempo de hospitalização e o risco de progressão para doença grave.1

Como as opções disponíveis para o controle da gripe são limitadas, recomenda-se que a prevenção com a vacina seja realizada anualmente, tendo como público-alvo prioritário crianças, gestantes, imunocomprometidos, idosos e profissionais de saúde. Conforme visto anteriormente, um desfecho desfavorável não se associa obrigatoriamente a condições debilitantes prévias, mas também ao padrão peculiar de montagem de resposta moduladora do processo inflamatório do indivíduo, além da virulência das cepas infectantes. A falta de previsão, quanto a esse modelo de resposta particular, torna frágil a atual definição de grupos prioritários para a proteção vacinal. No presente caso, a paciente não se adequava a nenhum dos critérios para cobertura vacinal pelo Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e Center for Disease Control/EUA (CDC) têm recomendado vacinação universal para gripe.3,6

Referências

  1. Writing Committee of the WHO Consultation on Clinical Aspects of Pandemic (H1N1) 2009 Influenza. Clinical Aspects of Pandemic 2009 Influenza A (H1N1) Virus Infection. N Engl J Med [Internet]. 2010 [citado 2016 fev.28];362(18):1708-19. Disponível em: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra1000449.
  2. Fischer II WA, Gong M, Bhagwanjee S, Sevransky J. Global burden of Influenza: Contributions from Resource Limited and Low-Income Settings. Glob Heart [Internet]. 2014 [citado 2016 fev.28];9(3):325-36. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4327778/.
  3. Lee N, Wong CK, Chan PKS, Chan MCW, Wong RYK, Lun SWM, et al. Cytokine Response Patterns in Severe Pandemic 2009 H1N1 and Seasonal Influenza among Hospitalized Adults. PLoS One [Internet]. 2011 [citado 2016 fev.28];6(10): e26050. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3192778/.
  4. The ANZIC Influenza Investigators. Critical Care Services and 2009 H1N1 Influenza in Australia and New Zealand. N Engl J Med [Internet]. 2009 [citado 2016 fev.28];361(20):1925-34. Disponível em: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa0908481.
  5. Bartynskia WS. Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome, Part 1: Fundamental Imaging and Clinical Features. AJNR [Internet]. 2008 [citado 2016 fev.28];29: 1036-1042. Disponível em: http://www.ajnr.org/content/29/6/1036.long.
  6. Andrew TK, Ciro VS, Larry KP, William LA. General Recommendations on Immunization: Recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP). Centers for Disease Control and Prevention [Internet]. Atlanta, USA; s.d. [citado 2016 fev.28]. Disponível em:http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/rr6002a1.htm

Autores

Lauro Ferreira da Silva Pinto Neto1; Amanda Araújo2; Daniela Lerback Jacobsen3; Renata Sartório da Silva Rangel4

1 Doutor pela Universidade Federal do Espirito Santo – UFES, Médico, Professor adjunto da Escola de Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM.

2,3,4 Acadêmicas Medicina, Escola de Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM.

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