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DISTÚRBIOS DA FUNÇÃO TIREOIDIANA INDUZIDOS PELA AMIODARONA

Submetido em 23 Setembro 2016

Resumo

A amiodarona é um antiarrítmico altamente rico em iodo e prescrito na prática médica para tratamento das arritmias cardíacas. O seu uso está relacionado a disfunções secundárias em vários órgãos, como a glândula tireoide. Sabe-se que a maioria dos pacientes permanece eutireoidiano, mas as disfunções tireoidianas podem ocorrer em 15 a 20%. São descritos o hipotireoidismo e a tireotoxicose do tipo I e II, sendo as maiores incidências o hipotireoidismo, o qual possui como terapêutica a reposição hormonal com levotiroxina. O tratamento da tireotoxicose depende do tipo diagnosticado no paciente. Assim, convém realizar o rastreio para o diagnóstico e tratamento das disfunções tireoidianas de modo precoce e eficaz, uma vez que a permanência de tais alterações piora a função cardíaca do paciente.

 

Introdução

A amiodarona foi introduzida na prática clínica na década de 60, inicialmente como um agente antianginoso, e posteriormente estudos de seus efeitos eletrofisiológicos consagraram seu uso como agente antiarrítmico,1 sendo de ampla utilização especialmente nas arritmias refratárias aos tratamentos ditos convencionais.2

O medicamento possui uma estrutura química semelhante à dos hormônios tireoidianos: triiodotironina (T3), tiroxina (T4), T3 reverso e do seu metabólito ativo, a desetilamiodarona (DEA). Cada molécula de amiodarona possui dois átomos de iodo, o que equivale a 37% do seu peso molecular.3,4

Em relação às disfunções na glândula tireoidiana, hipotireoidismo e tireotoxicose do tipo I e II, estima-se que 15% a 20% dos pacientes que usam a medicação desenvolvam esses efeitos. Tal porcentagem aumenta para 50% ao longo de quatro anos de tratamento.Esses efeitos secundários podem persistir meses após a interrupção da droga, fato que se deve à sua meia vida longa e à capacidade de depósito no tecido adiposo.

Desse modo, no momento em que se inicia o uso do fármaco, é de grande importância realizar uma anamnese completa e acompanhar os parâmetros laboratoriais. Com isso, é possível avaliar e identificar os pacientes com fatores predisponentes ao desenvolvimento de disfunção tireoidiana.

Sabe-se que, em média, 10% da molécula é desiodada diariamente e que a dose de manutenção da droga oscila entre 200mg e 600mg ao dia. Desse modo, está disponível no organismo entre 7mg e 21mg de iodo por dia. Esse valor, por sua vez, é superior à ingesta diária de iodo recomendada pela OMS, que é de 0,15 a 0,3 mg/dia.

Mecanismos de ação da amiodarona na fisiologia tiroidiana

A interferência da amiodarona no eixo hipotálamo-hipófise tireóide é devido aos efeitos intrínsecos do fármaco e do seu conteúdo de iodo.

O iodo, que é o substrato para a síntese de hormônios tiroidianos, é transportado para o interior da célula folicular da tireóide onde será organificado. Este processo é auto-regulado para evitar uma sobrecarga de iodo. Em situação de excesso de iodo, a síntese dos hormônios tiroidianos é inibida e este processo é conhecido como efeito Wloff-Chaikoff, que é transitório e seguido de mecanismo de escape.

Em casos de doença autoimune da tireóide, há, muitas vezes, defeitos nesta auto-regulação com falência do mecanismo de escape.4,6,7 A explicação para o desenvolvimento dessa condição seria uma inibição da síntese dos hormônios tireoidianos decorrentes da sobrecarga de iodo oriunda da metabolização da amiodarona, levando ao hipotiroidismo. O excesso do iodo também pode levar a uma potencialização da autoimunidade tireoidiana e a síntese aumentada dos hormônios tireoidianos (efeito Jod-Basedow) em indivíduos com Doença de Graves ou bócio nodular, levando ao hipertiroidismo.4

No que diz respeito à ação intrínseca da amiodarona, têm-se inibição das desiodinases em nível periférico e central, bloqueio da captação periférica dos hormônios tireoidianos, citotoxicidade direta à tireoide e diminuição da ligação do T3 ao seu receptor.

Nos tecidos periféricos, principalmente fígado, tireoide e rim, a amiodarona inibe a ação da enzima desiodase do tipo I, responsável pela conversão periférica do T4 em T3, assim como do T3 reverso (rT3) em diiodotironina (T2). Isso se deve provavelmente a um mecanismo de antagonismo competitivo devido à similaridade de estrutura com o T4.2

Também ocorre uma inibição da atividade da enzima desiodinase do tipo II (DIO2) que atua ao nível hipofisário convertendo T4 em T3. Após a suspensão do medicamento, essa ação inibitória pode persistir por vários meses. Adicionalmente à inibição enzimática, a amiodarona também bloqueia a entrada dos hormônios tireoidianos nos tecidos periféricos.5 Ambos os mecanismos descritos conduzem a um aumento nas concentrações séricas do T4 e rT3, além da diminuição do T3. Entretanto, a maioria dos pacientes permanece clinicamente eutireoidea.2

Em relação aos valores do TSH, as alterações observadas com o uso da amiodarona são tempo e dose-dependentes. O aumento do TSH plasmático inicialmente ocorre em resposta tanto à queda da concentração do T3 em nível central (pela inibição da desiodinase do tipo 2) e à ligação do DEA aos receptores intracelulares do T3, antagonizando-o.8

A citotoxicidade tireoidiana pode ocorrer por ação direta da amiodarona, resultando em tireoidite destrutiva, bem como pelo excesso de iodo presente no fármaco, induzindo fenômenos de apoptose e estresse oxidativo.9

Em relação à autoimunidade tireoidiana, os estudos indicam que é improvável que o tratamento com amiodarona propicie o aparecimento de autoanticorpos. Porém, ela pode precipitar ou agravar a autoimunidade preexistente em indivíduos susceptíveis, uma vez que a maioria dos pacientes que desenvolvem hipotireoidismo induzido pela amiodarona tem títulos positivos de autoanticorpos antitireoidianos antes do tratamento.5,10

O surgimento de disfunção tireoidiana induzida pela amiodarona pode estar relacionado a fatores predisponentes, como conteúdo de iodo da dieta, presença de história pessoal e/ou familiar de doença tireoidiana e presença de anticorpos antitireoidianos previamente ao uso da droga.

A tireotoxicose é mais frequente em regiões com ingesta de iodo insuficiente, enquanto o hipotireoidismo é encontrado em áreas com aporte iodado suficiente. A incidência geral de disfunções tireoidianas nos pacientes que usam amiodarona varia de 14% a 18%, sendo a incidência para o hipertireoidismo variando de 5% a 10% e o hipotireoidismo de 10% a 20%.4 Nos Estados Unidos, os casos de hipotireoidismo são mais prevalentes, comparados aos de tireotoxicose, enquanto na Europa essa correlação é inversa.2

 

Hipotireoisimo induzido pela amiodarona

O hipotireoidismo induzido pela amiodarona ocorre de forma mais precoce se comparado ao hipertireoidismo e o seu desenvolvimento independe das doses diárias do fármaco. Observa-se uma associação com idade avançada, sexo feminino e doença tireoidiana autoimune.8 Portanto, a dosagem dos anticorpos antitireoidianos, sobretudo o anticorpo antiperoxidases (anti-TPO) deve ser realizada, pois são marcadores da doença autoimune da tireóide.

A presença de tireoidite de Hashimoto prévia é um fator de risco estabelecido para a ocorrência do hipotireoidismo,2 que ocorre, em geral, entre o 6-12 meses do uso da amiodarona.

Adicionalmente, o próprio aporte extra de iodo, somado à presença prévia de autoanticorpos, pode levar a fenômenos de tireoidite destrutiva. As manifestações clínicas do hipotireoidismo induzido pela amiodarona são ganho de peso, fraqueza, queda de cabelo, pele seca, intolerância ao frio e letargia, sendo esta a mais comum. Esses sinais e sintomas são, em sua maioria, de difícil diagnóstico, uma vez que podem ser atribuídos à doença cardíaca desses pacientes. Bócio e mixedema são incomuns.9

O diagnóstico de hipotireoidismo é geralmente simples. As características laboratoriais incluem elevados níveis de TSH, geralmente acima de 20 mU/l, associados a valores de T4 livre (T4L) diminuídos.8 Contudo, pode-se observar ainda uma forma subclínica da doença, com TSH moderadamente elevado (níveis entre4,3 mU/L e 20 mU/L) e T4L normal.9

Nos pacientes com hipotireoidismo subclínico, o tratamento com levotiroxina (L-T4) deverá ser instituído caso os anticorpos antitireoidianos estejam presentes. Em pacientes sintomáticos e com ausência de anticorpos, a reavaliação deverá ocorrer em três meses. Já na ausência de anticorpos e sintomas, o acompanhamento será feito em intervalos frequentes (em seis semanas e posteriormente a cada três meses).11

O nível sérico do TSH constitui o teste de primeira linha para o diagnóstico de hipotireoidismo. Entretanto é necessário considerar a elevação do TSH que ocorre nos primeiros três meses de terapêutica com amiodarona. Os níveis de T3 livre (T3L) não são úteis para o diagnóstico.9

O tratamento do hipotireoidismo pela amiodarona baseia-se no uso de levotiroxina. A princípio em baixas doses (25mcg a 50mcg) e posteriormente com aumentos graduais.

A interrupção do fármaco traz poucos benefícios. Entretanto, nos pacientes que precisam manter o uso da droga, há necessidade de uma dose superior de levotiroxina se comparada à de outras condições de hipotireoidismo. Doses mais elevadas devem ser consideradas em algumas situações, como obesidade, crianças e adultos jovens, hipotireoidismo grave, pós-cirurgia by-pass jejunoileal e cirrose.4 Por outro lado, nos pacientes em que é possível suspender a droga, sabe-se que o hipotireoidismo é transitório e pode reverter-se espontaneamente, sendo indicada principalmente nos pacientes sintomáticos.4 Nesses casos, deve-se reavaliar a necessidade de continuar a terapia ou ajustar a dose em seis a doze meses após o início da reposição.9

O TSH é o parâmetro mais importante para monitorar essa terapia,2 sendo preconizada a sua dosagem a cada quatro ou seis semanas.4 É indicado manter os níveis de TSH no limite superior da normalidade, principalmente nos pacientes com cardiopatia grave.3 Pode-se alcançar o estado eutireóideo de dois a quatro meses após a suspensão da amiodarona.5 Após a normalização dos hormônios tireoidianos, a monitorização laboratorial poderá ser feita a cada seis ou doze meses.4

 

Tiretotoxicose induzida por amiodarona

A tireotoxicose, situação potencialmente grave e imprevisível, é mais prevalente em áreas deficientes em iodo, sexo masculino (3:1), jovens e em pacientes com patologia tireoidiana prévia, embora possa acometer tecido tireoidiano normal.5 O seu aparecimento não dependente da dose da amiodarona, assim como se observa no hipotireoidismo.

São descritos dois subtipos de tireotoxicose induzida pela amiodarona, que diferem quanto à etiologia, ao prognóstico e ao tratamento.

A tireotoxicose do tipo I ocorre em pacientes com patologia tireoidiana subjacente, tal como bócio nodular autônomo e doença de Graves, e é consequência do fenômeno de Jod Basedow (hipertiroidismo iodo induzido), típico de regiões geográficas com deficiência de iodo dietético.12

A tireotoxicose do tipo II ocorre em tecido tireoidiano normal, sendo causada por uma destruição tireoidiana direta pela amiodarona ou seus metabólitos (tireoidite subaguda destrutiva). Tal fato resulta em liberação dos hormônios tireoidianos pré-formados para a circulação. Devido a esse processo destrutivo, após o estado de tireotoxicose, pode ser observado um hipotireoidismo transitório.9

Vale lembrar que ambas as formas podem estar associadas, sendo difícil distingui-las. A apresentação clínica é semelhante nos dois tipos de hipertireoidismo e pode manifestar-se com perda de peso, sudorese excessiva, hipercinesia, fraqueza muscular, intolerância ao calor, diarreia e queda de cabelo. A oftalmopatia normalmente está ausente, exceto se o hipertireoidismo se desenvolver em um paciente com doença de Graves prévia. 9 O diagnóstico diferencial, portanto, envolve parâmetros clínicos, laboratoriais e imagiológicos.

A avaliação deve incluir uma história clínica detalhada e um exame físico para determinar se o paciente tem uma tireoideopatia preexistente, como bócio nodular ou doença de Graves, que sugerem hipertireoidismo do tipo I.4

A detecção dos anticorpos antiTPO e de antirreceptores de TSH (TRAb), que geralmente estão ausentes, ajuda a diferenciar os pacientes com patologia prévia da tireoide, sugerindo hipertireoidismo do tipo I.5

A ultrassonografia convencional pode auxiliar na detecção de alterações estruturais, como um bócio nodular ou uma glândula aumentada, mas não permite distinguir os tipos de hipertireoidismo.2 Já a ultrassonografia com fluxo Doppler em cores é um método barato, de fácil e rápida execução, não invasivo e efetivo na distinção dos dois tipos de hipertireoidismo.2 A evidência de hipervascularização é sugestiva de hipertireoidismo do tipo I, enquanto sua ausência se relaciona com hipertireoidismo do tipo II.3

A realização da cintilografia da tireóide com iodo radioativo (RAIU) pode ajudar a diferenciar os dois tipos de hipertireoidismo. A captação é tipicamente normal ou alta no tipo I; já no tipo II, observa-se uma captação reduzida, pois existe pouca absorção do iodo devido à destruição e aos danos no tecido tireóideo.

A dosagem de interleucina 6 (IL-6) é um bom marcador de destruição do epitélio folicular da tireoide, embora não seja específico. Os níveis encontram-se normais ou levemente elevados no tipo I e significativamente elevados no tipo II.3

É válido ressaltar que nenhum dos métodos diagnósticos propostos de forma isolada é capaz de distinguir os dois tipos de hipertireoidismo, sendo necessária a combinação das diferentes técnicas.9 As principais características clínicas e laboratoriais para diferenciação entre os tipos de hipertireoidismo estão resumidas na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Diagnóstico diferencial das formas de tireotoxicose induzidas pela amiodarona (3)

Características TIPO I Tipo II
Patologia da tireoide prévia Sim Não
Bocio nodular ou difuso Frequentemente presente Usualmente ausente
Anticorpos antitireoidianos Frequentemente presentes Ausentes
Captação de iodo radioativo Baixa, normal ou elevada Baixa/suprimida
IL-6 sérica Elevada, discretamente Bastante elevada
Ultrassom com Doppler Sinais de hiperfluxo Sinais hipofluxo
Ecografia de tireoide Bócio (difuco ou nodular) Normal

Nota: Adaptado pelas autoras

 

O tratamento do hipertireoidismo induzido pela amiodarona é um desafio, não sendo unânime entre os profissionais de saúde. A opção mais controversa no tratamento consiste na suspensão, ou não, da amiodarona. Nos casos em que é possível a sua interrupção, a substituição por outro fármaco é uma condição aceitável. Porém, a suspensão não se acompanha de efeitos imediatos devido à meia vida longa da droga.8

Em geral, nas formas leves de hipertireoidismo, 20% dos casos possuem uma remissão espontânea.5 Contudo, na maioria das vezes, o tratamento é necessário já que os hormônios tireoidianos são deletérios sobre a doença cardíaca de base dos pacientes.

No hipertireoidismo do tipo I, o objetivo principal é inibir a síntese dos hormônios tireoidianos. As tionamidas são fármacos de eleição por bloquearem a síntese hormonal,4 além de inibirem perifericamente a enzima desiodinase, efeito observado apenas no propiltiouracil (PTU).8 Habitualmente são usadas em doses maiores (metimazol 40-60mg/dia ou propiltiouracil 600-800mg/dia),5 pois o excesso de iodo na glândula tireóide, proveniente da ingesta de amiodarona, confere resistência à ação das tionamidas. A dose é gradualmente diminuída para valores mais baixos de manutenção.12

O fármaco usado como primeira linha é o metimazol, devido à possibilidade de ingesta única diária (meia vida maior que o propiltiouracil), normalização mais rápida dos níveis hormonais e menor incidência de efeitos colaterais (manifestações cutâneas, gastrointestinais, artralgia, agranulocitose, hepatoxicidade e vasculite). Pela chance de ocorrência de supressão medular, os pacientes devem ser orientados quanto aos sinais de alerta, como febre, dor de garganta e úlceras em cavidades orais. Os efeitos secundários relacionados ao metimazol são dose dependente, enquanto o propiltiouracil não depende da dose.4

Adjuvante a essa terapia, pode-se utilizar o perclorato de potássio (1g/dia), que é capaz de inibir a captação de iodo, melhorando a eficácia das tionamidas. Doses superiores a 1g/dia estão associadas à ocorrência de agranulocitose e anemia aplástica.5 A toxicidade limita o seu uso e pacientes em uso de tionamidas e perclorato de potássio deve realizar um hemograma a cada 15 dias. A interrupção da administração do perclorato de potássio deve ocorrer quando o eutireoidismo for alcançado, geralmente após seis semanas.4

O carbonato de lítio (900mg-1350mg/dia, 4 a 6 semanas), por possuir ação na redução da síntese e secreção hormonal, pode ser uma alternativa em casos mais graves ou refratários ao tratamento inicial,5 podendo ser associado às tionamidas.

No tratamento do hipertireoidismo do tipo II, as tionamidas e o perclorato de potássio não estão indicados, pois se trata de uma tireoidite destrutiva. Há preferência, portanto, pelo uso dos corticoides devido a seus efeitos anti-inflamatórios, estabilizadores de membrana e inibição da conversão periférica de T4 em T3.2 Diferentes tipos de corticoide podem ser usados, como prednisona (15mg-80mg ao dia) e dexametasona (3mg-6mg ao dia)5 por dois a três meses.4,13

O tratamento com iodo radioativo (13II) geralmente não é possível devido à captação suprimida ou baixa desse isótopo; entretanto, pode ser utilizado no tratamento definitivo nos poucos pacientes com evidência de captação alta (RAIU alto).14

Quando o hipertiroidismo é resistente à terapêutica e é urgente restaurar o eurtiroidismo, existem outras alternativas: plasmaférese e tiroidectomia.4 A tireoidectomia total é uma opção indicada no tratamento definitivo de ambas as formas de tireotoxicose,8 nas seguintes situações: pacientes resistentes à terapêutica inicial; reações adversas ao tratamento; pacientes com sintomas graves; na impossibilidade de suspender a amiodarona e em casos de deterioração da função cardíaca.9 Deve ser feito um controle da tireotoxicose antes da cirurgia por meio do uso do ácido iopanoico. Tal fato está associado à redução dos riscos cirúrgicos dos pacientes cardiopatas,16 porém essa droga não está mais disponível em nosso meio.5

É importante ressaltar que os tipos I e II do hipertireoidismo podem estar associados. Forma conhecida como tireotoxicose do tipo III ou mista. O tratamento proposto nesse caso é a combinação de metimazol, perclorato de potássio e corticoide. Este é o esquema terapêutico mais benéfico.5

A questão de descontinuar ou não a amiodarona, no caso do hipertiroidismo, deve ser baseada em critérios cardiológicos. Este fármaco é extremamente eficaz como antiarrítmico e em alguns pacientes a sua suspensão poderá acarretar alguns riscos. Além disso, a amiodarona confere um estado de bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos e antagonizando os receptores dos hormônios tiroidianos, apresentando um efeito protetor cardíaco, que ao ser retirado, pode agravar a situação cardíaca. No entanto, aconselha-se que a amiodarona seja interrompida sempre que possível, quer no caso tipo I ou tipo II.2,4,16-18

 

Monitorização da função tireoidiana no uso da amiodarona

A avaliação clínica e laboratorial da função tireoidiana deverá ser realizada antes, durante e após o uso da amiodarona. Esse cuidado é necessário principalmente pelas frequentes alterações tireoidianas observadas nesse grupo de pacientes, além da possibilidade de ocorrer um agravamento da função cardíaca prévia.

A avaliação inicial é composta por uma anamnese detalhada, além de exame físico que inclui a palpação da glândula tireóide. Essa triagem visa ao rastreio dos pacientes com maior risco de desenvolvimento de patologias tireoidianas. A presença de bócio nodular difuso aponta uma maior predisposição ao hipertireoidismo, assim como a presença de anticorpo antiTPO está associada à ocorrência de hipotireoidismo.10

Outro cuidado inicial é a dosagem de TSH, T4L e anticorpos antiTPO. Vale lembrar que a função tireoidiana deve ser avaliada a cada seis meses ou na presença de alterações clínicas que se desenvolvam no decorrer do tratamento.8 Além disso, o rastreio deverá ser prolongado mesmo após a retirada do fármaco, devido a sua meia vida longa.9 Nos pacientes com maior predisposição às alterações da glândula, o intervalo de investigação deve ser individualizado e criterioso.9

Considera-se a dosagem do TSH como o melhor teste de monitoramento da função tireoidiana, apesar de que pacientes eutireóideos em uso da amiodarona podem apresentar níveis de TSH reduzidos.10 O manejo e a monitorização da função tireoidiana estão resumidos na Figura 1.

 

figura art 5

 

Fonte: LOPES, Z. M. T. C. Patologia da tireoide associada ao consumo de amiodarona. 2013. 40 f. Dissertação (Mestrado em Medicina) – Faculdade de Medicina, Universidade da Beira do Interior, Covilhã, 2013.

O fluxograma acima detalhado evidencia os passos que devem ser seguidos na monitorização clínica da função tireoidiana de um paciente em uso de amiodarona, além de como proceder e diagnosticar alterações na função tireoidiana diante de uma suspeita de patologia da tireóide.

Conclusão

Amiodarona induz alterações nos testes de função da tireóide que são, em grande parte, explicáveis pelo excesso de iodeto e inibição da atividade da desiodase. Disfunção da tireóide clinicamente relevante não é rara durante a terapia com amiodarona, mas requer diagnóstico e tratamento cuidadoso.

A frequência com que a amiodarona provoca disfunções tireoidianas, bem como outras complicações, serve para enfatizar a necessidade de acompanhamento. Deve-se incluir a dosagem de TSH tanto previamente à introdução da amiodarona quanto medidas seriadas em longo prazo.

Referências

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Autores

Marina Barbosa Tavares1; Paula Rodrigues Villela da Motta2; Vitória Fernandes Barros3; Camila Cezana4; Larissa Borges Ferreira5; Sabrina Marini Araujo Saar6; Carmen Dolores Gonçalves Brandão7

 

1,2,3 Acadêmicos Medicina, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM.

4,5,6 Médicas formadas pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM.

7 Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Médica, Professora da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM.

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