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ESPLENECTOMIA SUBTOTAL COM PRESERVAÇÃO DO POLO INFERIOR DO BAÇO (ESTPI)

Danilo Nagib Salomão Paulo; Marcela Souza Lima Paulo

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM)

Avenida Nossa Senhora da Penha, 2190, Santa Luiza - Vitória - ES - 29045-402

Submetido em 31 Março 2015

Resumo

O baço apresenta importantes funções, dentre as quais se destaca a imunológica. A sua retirada pode implicar na falta dessas funções e daí sobrevir infecções, principalmente em crianças, podendo levar ao óbito. Daí a importância de se conservar o órgão ou parte dele. Das cirurgias conservadoras sobre o baço (esplenorrafia, ressecções parciais segmentares, autoimplantes esplênicos autógenos, esplenectomia subtotal com preservação do polo superior), a mais recentemente descrita foi a esplenectomia subtotal com preservação do polo inferior (ESTPI). Esta operação, que se constitui em linha de pesquisa do primeiro autor, visa garantir as funções esplênicas.

Descritores (Palavras-chave)

Baço; Cirurgia Geral; Esplenectomia

Introdução

O baço, órgão do sistema mononuclear fagocitário,1 foi considerado durante muito tempo não essencial à vida e, portanto, a sua retirada devido a trauma ou outras doenças, não provocaria dano maior ao paciente.2-5 Em 1952, King & Shumacker Jr constataram a associação entre a remoção do baço e a ocorrência de sepse em crianças.6 Desde então, os riscos de infecção pós-esplenectomia têm sido reconhecidos em crianças e em adultos, principalmente nos dois primeiros anos após a cirurgia.7,8 As complicações infecciosas após a esplenectomia foram também observadas em animais de experimentação.9-12 Têm sido também relatadas alterações no metabolismo lipídico em seres humanos13-15 e em animais de laboratório,16-21 que podem causar aterosclerose.16 O baço, provavelmente, apresenta funções ainda desconhecidas. Nesse caso a retirada desse órgão comprometeria essas funções. Observada a importância desse órgão, sua preservação total ou parcial passou a ser realizada de forma mais frequente por meio de esplenorrafias,5 oclusões vasculares,22-26 esplenectomias parciais27-29 e dos implantes esplênicos autógenos.30-32 Destas operações, a mais recentemente descrita foi a esplenectomia subtotal com preservação do polo inferior (ESTPI).33 Nesta técnica, o suprimento sanguíneo é mantido por meio dos vasos do ligamento gastroesplênico que podem ser os vasos existentes neste ligamento ou por vaso da artéria polar inferior. Este trabalho destina-se à revisão desta técnica.

Revisão de literatura

Em 1999, o primeiro autor e colaboradores publicaram o trabalho pioneiro no assunto. Eles realizaram em cães a ESTPI (Figura 1) para verificar a viabilidade do polo inferior (PI) do baço.

Utilizaram 24 cães, peso variando entre 12 e 14 kg, distribuídos em dois grupos: Grupo 1- ESTPI; Grupo 2- manipulação do baço. Os baços e remanescentes foram retirados no 7º, 15º, 30º e 70º dias no grupo 1, e no 15º e 60º dias no grupo 2, para estudo da viabilidade macro e microscópica. A análise dos resultados mostrou que o PI do baço de cães manteve-se viável em 86,6% dos casos, mesmo com a ligadura dos vasos esplênicos principais.33

Em 2001, Paulo DNS e Lázaro da Silva,34 revendo a literatura sobre baço e metabolismo lipídico, aventaram a hipótese de que o baço poderia interferir no metabolismo lipídico. Desse modo, realizaram em cães um experimento para comprovar essa hipótese. Operaram 38 cães, em que realizaram hemograma e lipidograma no pré-operatório, no 7º, 28º e 56º dias pós-operatório (PO). Os animais foram distribuídos em quatro grupos: Grupo 1 (n=7) – manipulação do baço; Grupo 2 (n=9) – hemiesplenectomia cranial; Grupo 3 (n=9) – ESPTI; Grupo 4 (n=13) – esplenectomia total (ET). Os animais do grupo 4 apresentaram aumento do colesterol total no pós-operatório, aumento da fração HDL no 7º e 28º dias (p<0.05) e aumento da LDL no 56º dia (p<0.01). A fração VLDL e triglicérides não apresentaram diferenças significativas do pré para o pós-operatório. Os animais dos grupos 1 e 3 não apresentaram alterações significativas, e os animais do grupo 2 apresentaram aumento do colesterol total no 7º dia PO. Desse modo, os autores concluíram que a ET induz aumento do colesterol total, HDL e LDL, que a hemiesplenectomia e ESTPI protegem o animal de alterações lipídicas significativos.34

Em 2005, Paulo ICAL et al35 realizaram um estudo com o objetivo de verificar o efeito da esplenectomia total, da ligadura dos vasos esplênicos principais e da ESTPI nos lípides plasmáticos de ratos alimentados com dieta-controle ou dieta acrescida com 2,5% de colesterol. Utilizaram 111 ratos Wistar, machos, pesando entre 273 e 427g, com idade aproximada de 12 semanas. Os animais foram distribuídos em cinco grupos: Grupo 1 (n = 20) – controle, não operado; Grupo 2 (n = 20) – manipulação do baço; Grupo 3 (n = 31) – ET; Grupo 4 (n = 20) – ligadura simultânea da artéria e veia esplênicas; Grupo 5 (n = 20) – ESTPI. Foram dosados os lípides plasmáticos, e os ratos foram distribuídos em dois subgrupos, de acordo com a dieta (subgrupo A – dieta-controle; subgrupo B – dieta acrescida com 2,5% de colesterol). Todos os animais foram submetidos à nova colheita de sangue após 90 dias do início do experimento. Os animais submetidos à ET, independentemente do tipo de dieta, apresentaram aumento significativo (p<0,05) do colesterol total, LDL, VLDL e triglicérides. O aumento da HDL foi significativo nos ratos alimentados com dieta-controle (p<0,05) e não significativo nos alimentados com dieta acrescida com 2,5% de colesterol (p>0,05). Os animais submetidos à ligadura simultânea da artéria e veia esplênicas e à ESTPI, e alimentados com dieta-controle, não apresentaram alterações nos níveis de lípides plasmáticos, exceto pelo aumento da HDL (p<0,05) observado no grupo da esplenectomia subtotal. Nos animais desses grupos, alimentados com dieta acrescida com 2,5% de colesterol, houve aumento significativo de colesterol total, LDL, VLDL e triglicérides. Daí os autores concluírem que a ET produz aumento significativo do colesterol total, das frações LDL e VLDL e dos triglicérides, tanto nos ratos alimentados com dieta-controle quanto nos alimentados com dieta acrescida com 2,5% de colesterol. O aumento é mais significativo nos animais alimentados com dieta acrescida com 2,5% de colesterol. A ligadura simultânea da artéria e veia esplênicas e a ESTPI previnem contra as alterações dos níveis de lípides plasmáticos observadas em ratos submetidos à ET alimentados com dieta-controle ou acrescida com 2,5% de colesterol.35 Nessa época foi realizada a primeira ESTPI em ratos (Figura 2).

Em 2006, Paulo DNS et al36 estudaram aspectos técnicos, morfológicos e funcionais do PI do baço em ratos. Operaram 36 ratos Wistar, adultos, que foram distribuídos em três grupos: Grupo 1 (n=10) – simulação; Grupo 2 (n=16) – ET; Grupo 3 (n=10) – ESTPI. No pré-operatório e no 90º PO realizaram coleta de sangue para dosagem do colesterol, frações e triglicérides. A seguir, os animais foram mortos e deles retirados o PI e baço para exame macro e microscópico. No PO ocorreram seis óbitos no grupo ET. O baço e PI se apresentavam macroscopicamente viáveis. O peso médio do PI foi 35,84% ± 4,31. Os animais dos grupos 1 e 3 não apresentaram alterações no perfil lipídico do pré para o pós-operatório. Porém, os animais do grupo ET apresentaram aumento significativo do colesterol e frações. Concluiu-se que a ESTPI era exequível, que a morfologia do PI era aparentemente normal e que a ESTPI prevenia contra alterações lipídicas. Comentam os autores que durante a preservação do PI supridos por vasos do ligamento gastroesplênico pôde ser aproveitado o coto do ramo inferior da artéria esplênica onde os vasos do ligamento gastroesplênico fazem anastomose antes de adentrarem o PI do baço.36

Em 2007, Paulo ICAL et al37 verificaram os efeitos da oxigenoterapia hiperbárica (OHB) (Figura 3) em 78 ratos Wistar submetidos ou não à OHB. Os animais foram distribuídos em três grupos: Grupo 1 (n=20) – manipulação do baço; Grupo 2 (n=36) -implante esplênico autógeno; Grupo 3 (n=22) – ESTPI. Cada grupo foi dividido em dois subgrupos: a- não submetidos à OHB (ntOHB); b- submetidos à OHB (tOHB). Assim ficou: Grupo 1 subgrupo a (n=10) – ntOHB; Grupo 1 subgrupo b (n=10) – tOHB; Grupo 2 subgrupo a (n=21) – ntOHB; Grupo 2 subgrupo b (n=15) – tOHB; Grupo 3 subgrupo a (n=13) – ntOHB; Grupo 3 subgrupo b (n= 9) – tOHB. Coletaram o sangue para dosagem de lípides, imunoglobulinas, plaquetas, corpúsculos de Howell-Jolly no pré-operatório e 11º PO. O baço e os remanescentes foram retirados para estudo histológico. Observaram que o número de sobreviventes foi maior nos grupos 1 e 3 que no 2a, que o colesterol total e a fração LDL aumentaram (p<0.05) nos subgrupos 2a e 3a e não alteraram nos subgrupos 2b e 3b, que a IgM caiu mais no grupo 2 que no grupo 3 (p<0.05), que o aumento do número de plaquetas e aparecimento dos corpúsculos de Howell-Jolly foi menor nos subgrupos 2b que no 2a, no grupo 3 que no grupo 2. Além disso, o aspecto macro e microscópico foi mais viável nos subgrupos 2b que no 2a, no grupo 3 que no grupo 2. Daí concluem que a função e viabilidade do PI foi melhor que a dos implantes esplênicos autógenos, que a OHB contribuiu para aumentar a frequência de sobrevida dos animais submetidos ao autoimplante esplênico, melhorar a função e viabilidade dos implantes esplênicos e função do PI do baço, e que a OHB não interferiu no grupo de cirurgia simulada sobre o baço.37

Em 2008, Paulo ICAL et al.,38 estudando os efeitos da OHB, levantaram a hipótese de que essa terapia poderia evitar a isquemia do PI do baço e consequentemente melhorar a viabilidade e função desse polo. Com isso, estudaram aspectos morfológicos e funcionais do PI do baço de ratos submetidos ou não à OHB. Utilizaram 79 ratos distribuídos em dois grupos: Grupo A (n=40) – simulação; Grupo B (n=39) – PI. Cada grupo foi dividido em dois subgrupos: 11 e 70 dias. Cada subgrupo foi dividido de acordo com o tratamento com oxigênio hiperbárico: não tratado (nt) – A11nt=10, B11 nt=13, A70nt =10, B70 nt=9 e tratado (t) – A11t=10, B11t=9, A70t=10, B70t=8. Foram dosados os lípides, imunoglobulinas, contadas as plaquetas, corpúsculos de Howell-Jolly no pré e pós-operatório. Após o término do experimento, o baço e o PI foram retirados para histologia. Houve aumento do colesterol total (p=0.002), VLDL-colesterol e triglicérides (p=0.003) e LDL-colesterol (p=0.013) no subgrupo B11nt e não houve nos demais subgrupos. A IgM diminuiu significativamente nos subgrupos B11t, B11nt, B70nt e B70t e não sofreu alterações no grupo simulação. A viabilidade do PI do baço foi melhor nos subgrupos B11t que no B11nt e não diferiu entre os subgrupos B70t e B70nt. Os autores concluem que a função e a viabilidade do PI melhoraram tardiamente. Os animais submetidos à OHB apresentaram melhor viabilidade e função do PI do baço precocemente, mas não tardiamente.38

Em 2008, Paulo DNS et al39 realizaram um estudo para verificar se o PI do baço cresce após esplenectomia subtotal, mesmo com a ligadura dos vasos esplênicos principais. Eles realizaram ESTPI em 39 ratos, peso 328,8±27,79g, distribuídos em dois grupos: Grupo 1 (n=20) – controle, retirada imediata do PI; Grupo 2 (n=19) – retirada do PI no 80º dia PO. Foram medidos comprimento, largura e espessura do PI do baço. O peso do PI no grupo 1 foi avaliado de forma direta: pesado em uma balança e o peso obtido foi dividido pelo peso do baço. Daí calculou-se o percentual de peso do PI. O peso do PI de forma indireta foi calculado com base no peso ideal do baço de acordo com a fórmula: 1,80 x peso corporal + 230,49 (obtido por análise de regressão linear). Foram comparados os dois métodos de pesagem e observou-se não haver diferença entre a forma direta e a indireta no que diz respeito ao percentual médio. O grupo 2 apresentou um percentual médio de peso do PI, por cálculo indireto, maior que no grupo 1 (p<0.001). O comprimento, largura e espessura do PI do baço no grupo 2 aumentou do 1º para o 80º dia (p<0.05). A análise histológica mostrou sinais de hiperplasia celular. Daí os autores concluírem que o PI mesmo com a ligadura dos vasos esplênicos apresentou média de crescimento significativo no 80º dia PO e sinais de hiperplasia celular.39

Em 2011, Silva JJ et al40 realizaram um estudo com o objetivo de verificar a exequibilidade e segurança da ESTPI por via laparoscópica e para determinar a viabilidade do remanescente esplênico. Utilizaram 20 ratos machos, peso entre 365 e 474g, distribuídos em dois grupos: Grupo 1 (n=10) – ratos mortos no 10º dia PO; Grupo 2 (n=10) – ratos mortos no 80º dia PO. O PI foi retirado para exame histopatológico e a porção superior retirada durante a primeira operação foi utilizada para controle de viabilidade do baço. A técnica foi exequível em todos os casos. Houve dois óbitos no PO imediato de causa indefinida. O peso médio percentual do PI avaliado indiretamente no 10º dia foi de 53.67%±11.59% e no 80º dia foi de 62,69% ±6.89%. O PI apresentava necrose com abscesso em um caso (5.9%) e aspecto macroscópico normal nos outros casos. Os achados microscópicos mostravam aspectos compatíveis com a normalidade. Daí os autores concluírem que a ESTPI por laparoscopia é factível e segura, e que o referido polo manteve-se viável em 94.1% dos casos.40

Em 2011, Paulo MSL et al41 realizaram um estudo com o objetivo de avaliar o efeito da OHB na sobrevida e peso de ratos submetidos à ESTPI e na viabilidade e crescimento do polo inferior do baço. Quarenta ratos Wistar foram submetidos à ESTPI e distribuídos em dois grupos: Grupo A (n=20) – não tratados com OHB; Grupo B (n=20) – tratados com OHB. Esses grupos foram divididos em dois subgrupos de 10 animais cada, de acordo com a época de eutanásia: 15º e 45º dias. A sobrevida e o peso dos animais foram anotados. O PI foi medido, pesado e analisado morfologicamente. Todos os animais sobreviveram. O peso aumentou em todos os subgrupos, porém diminuiu no 10º dia nos subgrupos tratados com oxigênio hiperbárico (p<0,001). A viabilidade do PI foi mais evidente nos animais tratados no 15º dia, porém não diferiu no 45º dia. O crescimento do PI não ocorreu no 15º e sim no 45º dia PO, nos animais não tratados (p<0,01) e tratados (p<0,05). O aumento celular e vascular nos animais tratados foi mais significativo do que nos animais não tratados. Daí os autores concluírem que a OHB não interferiu na sobrevida dos animais, porém diminuiu o peso. Melhorou a viabilidade do PI, mas não interferiu no seu crescimento.41

Em 2013, Paulo MSL et al42 realizaram um estudo para analisar a imunoexpressão do PCNA do PI do baço de ratos. Para isso, analisaram os fragmentos do PI de 20 ratos Wistar submetidos à ESTPI. Os ratos foram distribuídos em dois grupos: Grupo A (n=10) – não submetidos à OHB; Grupo B (n=10) – submetidos à OHB a 2,5 atmosfera por 120 minutos, duas vezes ao dia por três dias e uma vez ao dia por sete dias. Os grupos foram então subdivididos em quatro subgrupos: A15 (n=5) – mortos no 15º dia; A45 (n=5) – mortos no 45º dia; B15 (n=5) – mortos no 15º dia; B45 (n=5) – mortos no 45º dia. Nesses dias foram coletados fragmentos do polo inferior para análise imuno-histoquímica no sentido de avaliar a expressão de PCNA. Houve aumento da expressão do PCNA no grupo B. No 45º dia PO houve maior aumento da positividade do PCNA que no 15º dia PO (p<0.01). Daí os autores concluírem que a análise quantitativa do PCNA sugere que a OHB aumenta a proliferação celular contribuindo para a regeneração esplênica.42

Em 2014, Borjailli AS et al43 realizaram um estudo para investigar se havia diferenças entre a função fagocitária do PI remanescente da esplenectomia subtotal e a função fagocitária de autoimplante esplênico autógeno. Utilizaram 36 ratos Wistar, pesando 364 ± 60g. Os animais foram submetidos à ESTPI e ao autoimplante esplênico autógeno no omento maior. A viabilidade foi avaliada microscopicamente e a função fagocitária foi avaliada pela captação de radioisótopo coloidal e pela contagem de macrófagos. A viabilidade dos implantes esplênicos autógenos e do PI do baço foi observada em 33 animais sem diferença entre eles. O peso dos implantes esplênicos autógenos foi maior que o do PI nos animais do grupo G1(mortos e analisados no 1º dia PO), grupo G7 (mortos e analisados no 7º dia PO), grupo G30 (mortos e analisados no 30º dia PO), grupo G60 (mortos e analisados no 60º dia PO) e grupo G120 (mortos e analisados no 120º dia PO). A função dos implantes esplênicos autógenos, avaliada pela captação do radioisótopo, foi maior que a do PI nos grupos G7 e G120 e não diferiu entre os demais grupos. O número de macrófagos foi maior nos grupos G1, G60, G90 e G120 e não diferiu entre os outros grupos. Os autores concluem que até a 16ª semana a função fagocitária foi mais pronunciada nos implantes esplênicos autógenos que no PI, mas se tornou similares após esse período.43

Discussão

O baço foi considerado um órgão sem importância e a sua retirada não trazia maiores problemas.1-5 Porém, foram relatadas infecções pós-esplenectomias em seres humanos, alertando os cirurgiões.6,7,8 Essas infecções ocorreram inclusive em animais de experimentação.9-12 Desde então, têm sido adotadas cirurgias conservadoras sobre o baço.5,22-32 Além disso, têm sido relatadas, após a esplenectomia total, alterações no metabolismo lipídico em seres humanos13-15 e em animais de laboratório.16-21

A ESTPI33 é uma alternativa cirúrgica de preservação do baço, que poderia ser utilizada em situações eletivas e urgentes. Assim no trauma esplênico, quando o PI é viável, ele pode ser preservado. Da mesma forma na Doença de Gaucher, na metaplasia mieloide, na hipertensão porta e em outras doenças, onde é possível preservar parênquima esplênico, esse remanescente pode ser conservado a fim de manter uma função esplênica.

Os trabalhos mostram que a retirada do baço em cães e ratos provoca aumento do colesterol e mostram, também, que a preservação do PI impede este aumento.18,20

Na tentativa de explicar o mecanismo pelo qual o baço interfere no metabolismo lipídico, Caligiuri et al44 sugeriram a participação do sistema imunológico mediado por linfócitos B no controle do LDL colesterol. Os linfócitos B seriam capazes de produzir anticorpos contra o LDL-colesterol-oxidado, e o complexo LDL-colesterol-oxidado mais o anticorpo seriam captados por receptores dos macrófagos do baço. Daí ocorreria a fagocitose com destruição do complexo tanto no nível local, nas placas de ateroma, quanto no nível sistêmico, no baço. A esplenectomia total levaria a um desequilíbrio na captação do complexo antígeno-anticorpo. Isso explicaria o aumento da LDL encontrado em animais esplenectomizados. O aumento dos níveis de triglicérides e a queda dos níveis de HDL se devem provavelmente ao tipo de dieta utilizada. Em nosso trabalho, os animais que se alimentaram de dieta com 2,5% de colesterol tiveram aumento significativo dos triglicérides, LDL e VLDL e queda da HDL no grupo simulado. No grupo da ET houve aumento da LDL independentemente da dieta.20 Porém, em um estudo realizado em camundongo Balb/c, a retirada do baço não provocou aumento do colesterol. Os autores atribuem este resultado ao fato de que o metabolismo lipídico no camundongo é diferente.45 Estes resultados foram confirmados por um estudo realizado no laboratório do Centro de Pesquisa da Emescam, que está aguardando publicação. O trabalho mostra que a retirada do baço de camundongos Balb/c, de fato, não alterou os níveis de colesterol.

O PI do baço, conforme foi relatado, cresce com o tempo. Cumpre destacar que esse crescimento do PI foi observado entre o dia da cirurgia e o 80º dia PO por meio da avaliação do comprimento, largura, espessura e peso desse polo.39 Um estudo que avalia esse polo no 45º dia não confirma o crescimento nesse período mesmo sob a influência da OHB.41 Aí podemos admitir que o crescimento significativo desse polo ocorra em período além de 45 dias. Este estudo41 mostrou que a OHB não interferiu na sobrevida dos animais submetidos à ESTPI, porém diminuiu o peso e melhorou a viabilidade do PI do baço. Porém, outro estudo mostrou que a OHB aumentou a sobrevida de animais submetidos ao implante esplênico autógeno.37 Os animais submetidos à OHB apresentaram melhor viabilidade e função do PI precocemente, mas não tardiamente.38

Há um estudo desta linha de pesquisa que mostra que a ESTPI pode ser realizada por laparoscopia com bons resultados. Este estudo mostrou que o PI permaneceu viável na maioria dos casos.40

Os estudos com análise da expressão do PCNA do PI do baço de ratos submetidos à OHB mostram que essa terapia contribui para aumentar esse antígeno. Isso sugere que a OHB contribui com a proliferação celular responsável pelo crescimento do PI.42 Este resultado vai ao encontro do estudo relatado anteriormente.39

Um estudo mais recente que compara a função fagocitária dos implantes esplênicos autógenos com a função fagocitária do PI mostra que mais precocemente a função dos implantes foi mais eficaz. No entanto, após seis semanas as funções se equivalem. Cumpre lembrar que a massa de tecido esplênico implantado neste trabalho foi significativamente maior que a massa do PI.43 Este fato poderia justificar em parte os resultados. Portanto, estudos que comparam massas similares de implantes esplênicos autógenos e PI poderiam dar uma luz à questão, bem como outras técnicas de avaliação da função fagocitária.

Um estudo, ainda não publicado, procurou verificar se havia diferença na vitalidade do polo inferior do baço quando se seccionava ou não a membrana peritoneal que une esse polo ao estômago, e quando se fixava o polo ao estômago. O resultado deste estudo mostrou que não havia diferença da vitalidade do polo inferior entre os grupos.

Faltam ainda estudos clínicos para comprovar a real eficácia e segurança da ESTPI. Informação obtida por meio de cirurgiões que militam na urgência dá conta que o polo inferior foi preservado em um caso de traumatismo esplênico, uma vez que o referido polo recebia uma nutrição de uma polar inferior. Há outro relato de que o PI foi preservado em um caso de volumoso cisto esplênico que comprometia a porção média e superior do baço. Outra informação pessoal da conta de que o PI teria sido preservado em um caso de leucemia linfocítica crônica.

Os estudos sobre a linha de pesquisa do polo inferior do baço prosseguem, havendo dois projetos de pesquisa de tese de doutorado para serem iniciados em 2015.

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Anexos

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Figura 1: Sequência da técnica da esplenectomia subtotal em cães. A- A seta mostra a ligadura e secção dos vasos rente à parede do baço e do estômago, inclusive dos ramos esplênicos principais. Observar em B que o PI fica suprido por vasos existentes no ligamento gastroesplênico podendo haver uma contribuição de uma artéria lobar inferior para esse polo.

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Figura 2: ESTPI em ratos. Esquema mostrando as ligaduras vasculares rentes ao baço e a secção esplênica, com retirada da porção superior e manutenção do PI (Figura cedida pela Dra. Isabel Cristina Andreatta Lemos Paulo)

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Figura 3: Câmara hiperbárica (CHV- Vitória Montadora e distribuidora Ltda- Vitória-ES) com formato cilindro capsular construída com aço carbono.

1- Entrada e saída da câmara; 2- Válvula para escape do oxigênio; 3- Termômetro; 4- Manômetro; 5- Tubo para entrada de oxigênio no interior da câmara; 6- Visor para observação dos animais no interior da câmara; 7- Tampa oclusora da câmara. A Câmara tem 27 cm de largura, 51cm de comprimento e 1,5cm de espessura.

Autores

Danilo Nagib Salomão Paulo: Doutor/Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM) – (Professor Titular).

Marcela Souza Lima Paulo: Doutora/Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM) – (Professora Adjunta).

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