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BIOMECÂNICA DOS IMPLANTES BIOABSORVÍVEIS

Submetido em 11 Maio 2016

Resumo

São abordados tópicos do uso do implante biodegradável em cirurgias traumato-ortopédicas, desde seu desenvolvimento até sua aplicação clínica, ressaltando-se a importância da não necessidade de novo procedimento cirúrgico para sua remoção, pois são desintegrados e eliminados pelo organismo após a consolidação da fratura (sendo sua indicação muito útil nas fraturas nas crianças).

PalavrasChaves

Implantes Absorvíveis; Ácido Poliglicólico; Fixação Interna de Fraturas; Fixação Intramedular de Fraturas

Introdução

Durante as últimas décadas, os dispositivos metálicos para osteossíntese, como parafusos, placas e hastes tornaram possível o aprimoramento técnico, bem como se mostraram eficientes e seguros no tratamento cirúrgico das lesões traumato-ortopédicas.1

Entretanto, os implantes metálicos ainda estão associados a alguns efeitos adversos, tais como, migração de fios, distúrbios do crescimento, dificuldades de visualização radiológica pela radiopacidade do implante, infecção, efeitos de celularidade, fixação rígida que poderia causar atrofia óssea. Algumas vezes, em regiões com particularidades anatômicas onde o tecido subcutâneo é escasso ou pela proximidade com tendões, os implantes necessitariam ser removidos, sendo obrigatória a remoção em crianças em função do crescimento ósseo exponencial.

Mittal et al2 através de um questionário, submetido a 100 pacientes adultos com fraturas, perguntando como gostariam de ter suas fraturas fixadas, 95% responderam que gostariam que fossem fixadas com materiais bioabsorvíveis e 80% se dispuseram a participar de estudos clínicos comparando materiais metálicos e materiais bioabsorvíveis.

Isso tem sido motivo para pesquisadores investigarem implantes bioabsorvíveis, não para substituírem, mas para se tornarem uma opção a mais no instrumental para tratamento cirúrgico de lesões na traumatologia e ortopedia.

Os implantes absorvíveis deveriam ser resistentes o suficiente para garantir a manutenção da redução e fixação da fratura ou osteotomia, durante o tempo da consolidação e, então degradar-se gradualmente.

Esses materiais deveriam, também, ser bem tolerado, sem nenhum efeito carcinogênico, teratogênico, tóxico, inflamatório ou alérgico.

Revisão de Literatura

– Etapas do desenvolvimento

As suturas sintéticas absorvíveis têm sido clinicamente usadas há mais de 20 anos.2

O primeiro estudo com implantes biodegradáveis foi realizado em 1966 por Kulkarni et al³ analisando a biocompatibilidade do poli-L-lactic acid (PLLA) em animais. O material mostrou-se não tóxico e gradualmente degradável e em 1971, esse mesmo autor mostrou o uso de placas e parafusos de PLLA na fixação de mandíbula de cães.

Desde essa época numerosos estudos vêm sendo feitos com materiais biodegradáveis sendo a década de 90 como a época de grande número de publicações, com a maioria dos trabalhos utilizando ácido poliglicólico (PGA) e ácido polilático (PLA) Algumas inovações foram introduzidas para aumentar a resistência dos materiais e melhorar a biodegradação.

Entretanto, apesar do intenso trabalho de pesquisa, o desenvolvimento de um implante bioabsorvível ideal para a fixação de fraturas ou osteotomias, ainda é assunto de muita discussão.

Os elementos básicos para a produção dos implantes bioabsorvíveis são os ácidos poliglicólico e polilático, que após polimerização dos diésteres cíclicos, têm como produto final poliglicólides e polilactides.

– Propriedades químicas

O ácido poliglicólico (APG) e o ácido polilático (APL) são sintetizados pela polimerização dos diésteres cíclicos do ácido glicólico e ácido lático.3

Poliglicolídeo (APG) é um polímero cristalino que tem peso molecular de 20.000 a 145.000.4 O APG é hidrofílico e altamente cristalizado. A degradação e a perda de resistência ocorrem precocemente levando a complicações pós operatórias. Para alcançar o ponto de maleabilidade, sua temperatura deve ser aquecida acima de 36°C, e depois resfriado para ser implantado. Isso é considerado um problema em termos de elevar o tempo cirúrgico. Os fios de sutura feitos de ácido poliglicólico têm sido comercialmente utilizados desde 1970.

Polilactídeo (APL) tem um peso molecular de 180.000 a 530.000.5 Ele tem um grupo extra metil no seu monômero (ácido lático) que o torna mais hidrofóbico.

Os copolímeros comumente usados do glicólico e lático, poliglactina 910 são preparados por polimerização de 9 partes do glicólico com 1 parte de lático. O copolímero obtido possui boa propriedade fibrosa e também tem sido usado como material para sutura desde 1975.3

A técnica de reforço próprio dos copolímeros tem levado a melhores propriedades mecânicas e eliminado problemas de adesão tóxica. O alto grau de orientação molecular torna o implante rígido e forte em seu eixo longitudinal, e comparável a implantes metálicos. A microestrutura desses materiais envolve orientações em duas direções perpendiculares, tornando o implante mais resistente e maleável na temperatura da sala de operação, evitando o tempo cirúrgico do procedimento de aquecimento e resfriamento. Além disso suportam maior carga de dobramento e menor efeito de memória (tendência a voltar a forma original após ser dobrado), podendo também ser esterilizado através de irradiação gama, o que não é permitido em materiais não reforçados, pois alteraria as propriedades mecânicas desses materiais.4-6

– Biodegradação

O poliglicólide e o polilactide degradam in vitro e in vivo por hidrólise, levando a uma diminuição de suas propriedades mecânicas. A degradação é mais rápida in vivo.6

Craig et al7 verificaram que suturas feitas de poliglactin 910 foram absorvidas dentro de 90 dias.

Vainionpää8 mostrou que pinos pré-moldados em forma de bastão, feitos de poliglicólide, degradaram no osso esponjoso num período de 12 semanas.

Os produtos da degradação do poliglicólide e do polilactide são usados na síntese de aminoácidos ou no ciclo do ácido tricarboxílico.

Os produtos da degradação são eliminados na urina, fezes e exalados como dióxido de carbono, sendo a degradação completada dentro de 180 dias, em ratos.2

Os fatores que afetam a biodegradação do implante podem ser relacionados ao próprio implante (composição química, peso molecular, orientação de fibras, concentração de monômeros, stereoisomerismo, fase material, conformação, taxa de volume/superfície, porosidade, presença de impurezas, métodos de esterilização e mecanismo de degradação) ou podem ser relacionadas a fatores ambiental (local de implantação, tipo tecido, stress no implante e vascularização)

A tabela 1 mostra o tempo de absorção completa e perda de propriedades mecânicas

Resposta Tecidual

Herrmann et al9 compararam poliglicólide com outros materiais e observaram uma resposta inflamatória discreta com uso de poliglicólide e mais acentuada com utilização de categute ou náilon.

Vainionpää,8 em estudo experimental em coelhos, não observou nenhuma reação ou reação tipo corpo estranho contra o poliglicólide.

Craig et al7 relataram mínima alteração histológica, tipo reação corpo estranho, após implantação de suturas de polilactide e poliglicólide na região glútea de ratos.

As discretas reações tipo corpo estranho ocorridas pelos polímeros bioabsorvíveis foram consideradas por muitos autores como resposta biológica inicial na evolução da degradação de implantes bioabsorvíveis.10-12

– Fixação Interna do tecido ósseo com implantes bioabsorvíveis

Propriedades mecânicas

Törmälä et al13 introduziram os implantes pré-moldados de poliglactide. Estes implantes, preliminares, foram produzidos por modelagem de mero copolímero em forma de metal, com força de tensão de 45MPa e força de torção de 150MPa.

Com base nestes estudos, a haste de material bioabsorvível, em forma de cilindro foi manufaturada.

No começo, as hastes foram feitas de poliglactina 910 com uma resistência de 265 MPa.13 Entretanto, posteriormente, devido ao melhor valor de resistência, hastes de ácido poliglicólico foram produzidas.

Estas hastes foram feitas usando uma técnica de reforço. Fibras poliméricas absorvíveis foram acrescentadas, em alta temperatura do mesmo material poliglicolídeo. Usando este reforço com uma resistência inicial de 220-400 MPa, um módulo de inclinação de 220-400 MPa e uma resistência à ruptura de 179-250 MPa foram obtidas.13

Frazza e Schmitt4 em 1971 mostraram que a força de tensão inicial foi reduzida para a metade, dentro de uma semana, quando as suturas foram implantadas no tecido subcutâneo de ratos.

Hastes feitas de polidioxanone possuem uma resistência inicial baixa, com valor de 92 MPa, a qual é reduzida para cerca de 50% dentro das primeiras cinco semanas.14

– Estudos Experimentais

O primeiro estudo experimental para usar implantes bioabsorvíveis na fixação de fraturas foi feito por Cutright et al. em 1971.15

Vainionpää et al em 19868 fixaram osteotomias do fêmur distal de coelhos com implantes de ácido poliglicólico, associado a sutura transóssea de poliglicolídeo. Houve consolidação da osteotomia em todos os 19 coelhos. Além disso, observaram formação óssea dentro do canal, antes ocupada pelo pino, após biodegradação do implante. Entretanto a resistência do dispositivo era muito fraca para fixação da osteotomia no osso cortical

Mäkelä et al. em 1989,16 estudaram as propriedades de fixação nas fraturas fisárias de coelhos jovens e o efeito do implante bioabsorvível na placa de crescimento. Concluíram que uma haste de 2.0mm de diâmetro, de polidioxanone não causou nenhum distúrbio do crescimento, porém com a haste de 3,2mm de diâmetro, causou dano permanente na placa de crescimento do fêmur distal de coelho.

Vasenius et al em 198917 investigaram a resistência e as propriedades das hastes de poliglicólico. Mostraram que as hastes perdem sua resistência entre 5 e 6 semanas no tecido subcutâneo do coelho. Além disso as hastes de poliglicólico perdem sua resistência mais rápido in vivo do que in vitro.

Elias et al.11,19 realizaram estudo experimental comparativo em coelhos avaliando a presença de hastes feitas de poliglicólico, comparadas a fios de Kirschner, ambos com dois milímetros de diâmetro, transfixando a placa de crescimento distal do fêmur. Concluem que os implantes bioabsorvíveis apenas causaram distúrbios temporários do crescimento, pois a força da placa de crescimento rompeu o implante entre a sexta e sétima semana após sua implantação, o que não ocorreu com pinos metálicos.

-Uso Clínico dos implantes bioabsorvíveis

O primeiro implante bioabsorvível para fixação óssea, após estudos experimentais prévios, foi desenvolvido por Törmala et al (1987). Os estudos experimentais também evidenciaram que as propriedades de fixação de tais implantes foram suficientes para fixação de osteotomias em osso esponjoso.8

Aplicação clínica dos implantes bioabsorvíveis em fraturas maleolares foram iniciadas em 1984 por Rokkanen et al12 sempre depois executada em vários segmentos do esqueleto por outros autores.10, 11,15,19

Rokkanen et al 12 em 1985 apresentaram o resultado de um estudo prospectivo randomizado na fixação de fraturas do tornozelo, utilizando hastes bioabsorvíveis ou pinos metálicos em 44 pacientes. Não foram encontradas diferenças entre os dois grupos.

Em 1993 Partio et al14 em um estudo clínico em 318 pacientes (fraturas de olecrânio, tornozelo e artrodese do tornozelo) apresentado como tese na Universidade de Helsinque, apresentaram bons resultados com a utilização de hastes e parafusos feitos de ácido poliglicólico. Os autores informaram que a reação tipo corpo estranho, não comprometeu a consolidação óssea, além de citarem algumas vantagens da utilização de material bioabsorvível: ótima consolidação, menos dor, sem necessidade remoção do material (redução de custos hospitalares, sem necessidade nova internação, nova anestesia) Tais benefícios também são citados por outros autores.10-12,14,19

Em nosso meio, Elias et al11,18,19 relataram a consolidação em todos os casos das fraturas do cotovelo em crianças e adolescentes, fixadas com pinos bioabsorvíveis e nas fraturas do tornozelo de adultos fixadas com parafusos bioabsorvíveis, sem perda da redução e sem comprometimento do crescimento ósseo. A complicação foi a ocorrência de seroma em 8% dos casos; que, além de ser estéril, não interferiu com a consolidação, que evoluiu para a cura após uma punção

Comentários

O uso de implantes bioabsorvíveis é mais uma opção para o tratamento cirúrgico das fraturas, artrodeses e osteotomias. Oferece a vantagem psicológica e econômica de não necessitar de um segundo procedimento cirúrgico, para retirada do implante, principalmente em crianças.

São necessários mais estudos para avaliar sua segurança, em longo prazo, com relação a possíveis efeitos colaterais (carcinogênico, teratogênico).

A resistência do implante bioabsorvível ainda é pequena, sendo indicada sua aplicação em ossos metafisários, pois nesta região a consolidação ocorre antes que ele perca sua resistência e degrade.

Existem vários centros de pesquisa mundial investigando os implantes bioabsorvíveis, sendo o grupo AO (Associação Suíça para o Estudo da Osteossíntese) e a Universidade de Tecnologia de Tampere – Finlândia os que mais têm se dedicado a este tema.

Referências

1- Muller ME, Allgöver M, Schneider R, Willenegger H. Manual of internal fixation. Techniques recommended by the AO group. Second edition, 1-409, Springer-Verlag, Berlin, Heidelberg. New York,1979

2- Mittal R, Morley J , Dinopoulos H, Drakoulakis EG, Vermani E, Giannoudis PV.  Use of Bioabsorbable implants for Stabilisation of distal radius fractures:The United Kingdom patients perspective.Injury. 2005; 36:333-8.

3- Kulkarni RK,Pani KC,Neuman C, Leonard F. Polyactic acid for surgical implants, Arch Surg. 1966;  93: 839-43.

4- Frazza EJ, Schimitt EE. A new absorbable suture .J Biomed Matter Res Symposium. 1971; 1: 43-58.

5- Ray JA, Doddi N, Regula D, Williams JA, Melveger A. Polydioxanone (PDS), a novel monofilament synthetic absorbable suture. Surg Gynecol Obstet. 1981; 153: 497-507.

6- Gilding D, Reed, AM.  Biodegradable polymers for use in surgery-polyglicolic/polilatic acid homo and copolymers 1.Polymer. 1979; 20:1459-64.

7- Craig, PH; Willian,JA: A biologic comparison of polyglactin 910 and polyglicolic acid synthetic absorbable sutures. Surg Gynecol Obstet. 1975; 141:1-10.

8- Vainionpää S.  Biodegradation of polyglicolic acid in bone tissue: an experimental study on rabbits. Arch Orthop Trauma Surg. 1986; 104: 333-8.

9- Herrmann JB, Kelly RJ,Higgins GA: Polyglicolic acid sutures.Laboratory and clinical evaluation of a new absorbable suture material. Arc Surg. 1970; 100:486-90.

10-Kontakis GM, Pagkalos JE, Tousonidis TI, Melissas J, Katonis P. Bioabsorbable materials in orthopaedics, Acta orthop Belg. 2007; 73: 159-169.

11-Elias, N. Adeodato, S. Jorge,FVF. O Uso de implantes bio-absorvíveis na Cirurgia Ortopédica. JBM. 1997; 73( 3): 35-7.

12-Rokkanen P, Böstman O, Vainionpää S, Vihtonen K, Törmälä P, Laiho J, et al.  Biodegradable implants in fracture fixation: early results of treatment of fractures of the ankle. Lancet. 1985; I: 1422-4.

13-Törmälä P, Vainionpää S, Kilpikari J, Rokkanen P. The effects of fibre reinforcement and gold plating on the flexural and tensile strength of PGA/PLA copolymer materials in vitro. Biomaterials. 1987; 8: 42-5.

14-Partio EK, Böstman O, Vainionpää S, Pätiälä H, Hirvensalo E, Vihtonen K, et al. The treatment of cancellous bone fractures with biodegradable screws. Acta Orthop Scand Suppl. 1988; 59(227): 18.

15-Cutright DE, Hunsuck EE: The repair of fractures of the orbital floor using biodegradable polylatic acid. Oral Surg. 1972; 33: 28-34.

16-Mäkella EA, Mero M, Vainionpää S, Vihtonen K, Törmälä P, Rokkanen P. Trans physeal biodegradable fixation of experimental distal femoral physeal fractures in growing rabbits and cats. Book of abstracts,96, 8TH European Conference on Biomaterials. Heidelberg, Germany, September 7-9: 1989

17-Vasenius J, Vainionpää S, Vihtonen K, Mäkelä A, Rokkanen P, Mero M, et al. A comparison of in vitro hydrolysis, subcutaneous and intramedullary implantation to evaluate the strength retention of absorbable osteosynthesis implants. Biomaterials. 1990;11:501-4.

18-Elias N, Oliveira LP, Mesquita KC, Cordeiro DX. Transphyseal fixation. Comparative experimental study between biodegradable implants and metallic pins. Mapfre Méd 4 (Suppl II)1993: 281-2.

19-Elias, N; Oliveira LP, Mesquita KC.  Fixação interna com implantes bio-absorvíveis das fraturas do cotovelo em crianças e adolescentes. Rev. Bras Ortop.1994; 29: 29-32.21

Anexos

tab1

Fonte: próprio autor.

Autores

Nelson Elias¹*

 1 Livre Docência – UERJ 1989 – (Professor assistente ortopedia).

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