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FREQUÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DE FÁRMACOS CONSIDERADOS DE USO POTENCIALMENTE INAPROPRIADO EM PESSOAS IDOSAS

Eduardo Oliveira Pacheco; Igor Schneider Faé; Cyro Rezende Laghi; Lorraine de Souza Juri; Renato Lirio Morelato

EMESCAM - Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória

Avenida Nossa Senhora da Penha, 2190, Santa Luiza - Vitória - ES - 29045-402 - Tel.: (27) 3334-3500

Submetido em 19 Março 2015

Resumo

Alguns medicamentos são considerados potencialmente inapropriados para idosos, devido às alterações na farmacocinética e farmacodinâmica que ocorrem no organismo, representando riscos que superam os benefícios. Utilizaram-se os critérios de Beers, de 2012, Screening Tool of Older Person’s Prescription (STOPP) e Screening Tool to Alert to the Right Treatment (START). Verificou-se a prevalência do uso de medicamentos potencialmente inapropriados pelos idosos que frequentam o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória – ES, em estudo observacional, analítico, de delineamento transversal com amostra de 150 idosos, composta majoritariamente por mulheres, 70% (105), e uma média de 72±7 (62-92) anos de idade. 52,7% (79) apresentavam uso de FPI, desses 34,7% (52), 12,7% (19) e 5,3% (8) dos pacientes faziam uso de um, dois ou três FPI, respectivamente. As comorbidades mais prevalentes foram hipertensão arterial sistêmica (82,6%), seguido de diabetes mellitus tipo 2 (23,3%). Destacaram-se a depressão quanto ao uso de fármacos potencialmente inapropriados, e a insuficiência cardíaca congestiva quanto à polifarmácia. A média de medicamentos prescritos foi de 4,69 por idoso.Verificou-se polifarmácia em 66 idosos (44%). A maioria dos medicamentos potencialmente inapropriados atua no sistema nervoso central, depois no sistema cardiovascular. Isoladamente, o medicamento potencialmente inapropriado mais utilizado foi o ácido acetilsalicílico. Verificou-se associação entre polipatologias e polifarmácia com o uso de medicamentos potencialmente inapropriados. Diante disso, observou-se que os idosos avaliados faziam uso regular de um elevado número de fármacos considerados potencialmente inapropriados e a associação com policomorbidades os tornavam vulneráveis a sofrerem eventos adversos graves prejudiciais à saúde.

Descritores (Palavras-chave)

Idoso; Polimedicação; Uso de Medicamentos; Prescrição Inadequada; Saúde do Idoso

Introdução

O envelhecimento populacional é considerado principal fator de risco para doenças. Sendo assim, com muita frequência os idosos são portadores de múltiplas doenças crônicas não transmissíveis. Por consequência fazem uso concomitante de muitos fármacos prescritos, caracterizando uma polifarmácia (PF), visto que mais da metade dos medicamentos do mundo ocidental são consumidos por indivíduos dessa faixa etária. 1

O avanço da idade está ligado a mudanças no metabolismo das drogas, tanto na farmacodinâmica, quanto na farmacocinética, causadas pelo processo fisiológico do envelhecimento, representado pelas alterações de expressão genética, injúrias oxidativas, e disfunções mitocondriais.2 Tais mudanças estão associadas a um aumento da concentração sérica das drogas, redução de sua eficácia e um maior risco de eventos adversos e efeitos colaterais.3

Uma falha observada nas pesquisas medicamentosas modernas é a rara seleção de idosos frágeis e/ou com comorbidades para as triagens clínicas, já que, na vida real, eles serão os que mais terão fármacos prescritos, muitas vezes de maneira potencialmente inadequada. Tal falha resulta na escassez de evidências clínicas de eficácia e danos do uso de medicações nesse grupo de pacientes, obrigando a classe médica a confiar exclusivamente em dados pós-comercialização para determinar as consequências do uso de fármacos nesses paientesque. Consideração-chave para otimizar os resultados da medicação de idosos é conhecer o efeito do envelhecimento sobre o metabolismo das drogas.4

Esta lacuna foi contemplada com a redação dos critérios de Beers, que tem dominado a literatura internacional, desde que foram descritos pela primeira vez em 1991.5 Tais critérios foram revistos em 1997, 2003 e mais recentemente em 2012 pela American Geriatrics Society (AGS) e para superar as falhas existentes foi descrito os critérios de Screening Tool of Older Person’s Prescription (STOPP) e Screening Tool to Alert to the Right Treatment (START), os quais foram estabelecidos juntos por um consenso de Delphi.6 Dentre as metas desses critérios, destacamos uma melhor seleção dos fármacos prescritos aos pacientes geriátricos, avaliação e orientação dos padrões da posologia, melhoria da qualidade de cuidados à pessoa idosa, menor gasto com medicamentos e utilização de dados epidemiológicos para pesquisas.7

Métodos

Estudo observacional, descritivo e analítico, de delineamento transversal de uma amostra (n= 150) de pessoas idosas (60 anos ou mais de idade) de ambos os sexos, em atendimento ambulatorial, ou internado nas enfermarias do Hospital Santo Casa de Misericórdia de Vitória – ES, definida por seleção aleatória em múltiplos setores do hospital, durante o período de outubro de 2014 a fevereiro de 2015.

Os dados foram obtidos através de entrevista, com pacientes em consulta médica nos ambulatórios ou internados nas enfermarias da instituição, após elucidação dos objetivos do estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado previamente no CEP-EMESCAM. Os casos em que o paciente não apresentava a prescrição médica em mãos, que não se recordava das medicações que fazia uso, assim como seu acompanhante, ou que apresentava dúvida sobre os fármacos utilizados foram excluídos da análise.

A variável dependente, fármacos potencialmente inapropriados (FPI), foi classificada empregando os critérios de Beers, revistos mais recentemente em 2012, e os critérios de STOPP e START.5,6 As variáveis independentes foram: idade, gênero, fármacos, polifarmácia (uso regular de cinco ou mais fármacos) e polipatologias (PP) (presença de três ou mais comorbidades).

O cálculo amostral foi aleatório, por não existirem muitos estudos epidemiológicos no Brasil sobre  prescrição de fármacos potencialmente inapropriado para pessoa idosa; considerou-se que a amostra, por conveniência, de 150 pacientes, com idade igual ou superior a 60 anos, era representativa (51 pacientes internados nas enfermarias e 99 pacientes em atendimento ambulatorial). Para análise dos dados, foi empregada análise descritiva e para associação das variáveis, de acordo com sua distribuição, empregaram-se o teste qui quadrado e o teste de regressão logística, expressos por razões de chances no intervalo de confiança de 95%. Para análise dos dados o Sofware SPSS 2.0 para Windows foi utilizado. Foram considerados significantes valores de p≤ 0,05.

Resultados

Foram analisados 150 idosos, com amostra majoritariamente feminina de 70% (105), e em uma média de 72±7 (62-92) anos de idade. 52,7% (79) deles apresentavam uso de FPI, desses 34,7% (52), 12,7% (19) e 5,3% (8) dos pacientes faziam uso de um, dois ou três FPI, respectivamente. A PP esteve presente em 43,3% (65) da população e a PF em 44% (66). As mulheres apresentaram 56,2% (59) e 46,7% (49) e os homens 44,4% (20) e 37,7% (17) de FPI e PF, respectivamente (c2 =1,743, p = 0,21).

Quando estratificado por faixa de idade encontramos, em relação aos FPI e PF, respectivamente: 60-69 anos (59), 52,4% (31) e 42,3% (25); 70-79 anos (66), 54,5% (36) e 46,9% (31) e maiores de 80 anos (25), 48% (12) e 40% (10). Quando avaliada sua associação com faixa de idade (Tabela 1).

Tabela 1: Teste de regressão logística (intervalo de confiança de 95%) em relação a faixa etária

OD (IC 95%) P
60 -69 anos de idade 1 -
70 – 79 anos de idade 1,06 (0,41-2,75) 0,89
Mais de 80 anos 1,20(0,47-3,05) 0,70

Tabela 2: Frequência das comorbidades

Comorbidade Frequência (%) Comorbidade Frequência (%)
HAS 124 (82,6%) Acidente Vascular Cerebral (AVC) 9 (6,0%)
DM2 41 (23,3%) Depressão 9 (6,0%)
Dislipidemia 30 (20,0%) Arritmia 5 (3,3%)
Neoplasias 27 (18,0%) Síndrome de Parkinson 5 (3,3%)
Osteoporose 13 (8,7%) Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) 4 (2,7%)
Hipotireoidismo 13 (8,7%) Insuficiência Renal Crônica 4 (2,7%)
Doença Arterial Coronariana 13 (8,7%) Labirintite 4 (2,7%)
Artrose 12 (8,0%) Alzheimer 3 (2,0%)
DRGE* 10 (6,7%) Outras 34 (22,7%)
Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) 9 (6,0%)

*Doença do Refluxo Gastroesofágico

Dentre elas, HAS, enfermidade de maior prevalência, apresentou 58,06% dos seus pacientes com FPI e 47,58% com PF. DM2, segunda comorbidade mais comum, possui números mais relevantes, em 70,73% dos casos apresentam PF ou FPI. A ICC se destaca pela maior relação com PF (88,89%) e a depressão é a comorbidades mais associada aos FPI’s, presentes em 88,89% dos seus enfermos (Tabela 3).Uma comparação entre PF e PP com FPI foi estudada, revelando uma associação, representada na Tabela 4. A tabela 5 apresenta os fármacos mais empregados por faixa etária.

Tabela 3: Polifarmácia e fármacos potencialmente inapropriados por comorbidade

Comorbidade FPI (%) PF (%) Comorbidade FPI (%) PF (%)
HAS 72 (58,1%) 59 (47,6%) AVC 5 (55,6%) 6 (66,7%)
DM2 29 (70,7%) 29 (70,7%) Depressão 8 (88,9%) 6 (66,7%)
Dislipidemia 19 (63,3%) 20 (66,7%) Arritmia 2 (40,0%) 2 (40,0%)
Neoplasias 13 (48,2%) 7 (25,9%) Síndrome de Parkinson 1 (20,0%) 4 (80,0%)
Osteoporose 7 (53,9%) 7 (53,9%) DPOC 1 (25,0%) 2 (50,0%)
Hipotireoidismo 6 (46,2%) 6 (46,2%) Insuficiência Renal Crônica 3 (75,0%) 3 (75,0%)
Doença Arterial Coronariana 10 (76,9%) 11 (84,6%) Labirintite 1 (25,0%) 1 (25,0%)
Artrose 5 (41,7%) 7 (58,3%) Alzheimer 2 (66,7%) 2 (66,7%)
DRGE 8 (80,0%) 8 (80,0%) Outras 20 (58,8%) 17 (50,0%)
ICC 7 (77,8%) 8 (88,9%)

Tabela 4: Associação polifarmácia e polipatologia com a prescrição de fármacos potencialmente inapropriados

n (%) FPI ausente (%) FPI presente (%) p
Polifarmácia Ausente 84 (56,0%) 54 (64,3%) 30 (35,7%) < 0,001
Presente 66 (44,0%) 17 (25,8%) 49 (74,2%)
Polipatologia Ausente 85 (56,7%) 50 (58,8%) 35 (41,8%) 0,002
Presente 65 (43,3%) 21 (32,3%) 44 (67,7%)

Tabela 5: Sistema orgânico, categoria terapêutica ou fármacos inapropriados prescritos por faixa etária

FPI: SISTEMA ORGÂNICO OU CATEGORIA TERAPÊUTICA OU FÁRMACO 60 – 69 anos (%) 70 – 79 anos (%) ≥ 80 anos (%) TOTAL (%)
SISTEMA NERVOSO CENTRAL 16 (33,3%) 23 (47,9%) 7 (38,9%) 46 (40,4%)
BENZODIAZEPÍNICO 11 (22,9%) 18 (37,5%) 7 (38,9%) 36 (31,6%)
Clonazepam 5 (10,4%) 8 (16,7%) 2 (11,1%) 15 (13,2%)
Diazepam 1 (2,1%) 5 (10,4%) 0 6 (5,4%)
Bromazepam 1 (2,1%) 3 (6,3%) 2 (11,1%) 6 (5,4%)
Alprazolam 3 (7,9%) 1 (2,5%) 1 (5,6%) 5 (4,4%)
Cloxazolam 1 (2,1%) 0 1 (5,6%) 2 (1,8%)
Lorazepam 0 0 1 (5,6%) 1 (0,9%)
Flunitrazepam 0 1 (2,1%) 0 1 (0,9%)
ANTIDEPRESSIVO TRICÍCLICO 3 (6,3%) 1 (2,1%) 0 4 (3,5%)
Amitriptilina 3 (6,3%) 1 (2,1%) 0 4 (3,5%)
ANTIPSICÓTICO 2 (4,2%) 4 (8,3%) 0 6 (5,4%)
Haloperidol 1 (2,1%) 2 (4,2%) 0 3 (2,6%)
Risperidona 1 (2,1%) 1 (2,5%) 0 2 (1,8%)
Quetiapina 0 1 (2,5%) 0 1 (0,9%)
CARDIOVASCULAR 13 (27,1%) 18 (37,5%) 10 (55,6%) 41 (36,0%)
ANTIAGREGANTE PLAQUETÁRIO 9 (18,8%) 8 (16,7%) 5 (27,8%) 22 (19,3%)
Ácido Acetilsalicílico* 9 (18,8%) 8 (16,7%) 5 (27,8%) 22 (19,3%)
DIURÉTICO 2 (4,2%) 7 (14,6%) 2 (11,1%) 11 (9,7%)
Espironolactona** 1 (2,1%) 3 (6,3%) 1 (5,6%) 5 (4,4%)
Furosemida*** 1 (2,1%) 4 (8,3%) 0 5 (4,4%)
Hidroclorotiazida 0 0 1 (5,6%) 1 (1,1%)
ALFA AGONISTA 1 (2,1%) 0 1 (5,6%) 2 (1,8%)
Metildopa 1 (2,1%) 0 1 (5,6%) 2 (1,8%)
ANTIARRÍTMICO 0 1 (2,1%) 1 (5,6%) 2 (1,8%)
Amiodarona 0 1 (2,1%) 1 (5,6%) 2 (1,8%)
BLOQUEADOR DOS CANAIS DE CÁLCIO 0 1 (2,1%) 1 (5,6%) 2 (1,8%)
Amlodipina 0 1 (2,1%) 0 1 (0,9%)
Nifedipina 1 0 1 (5,6%) 2 (1,8%)
IECA 1 (2,1%) 0 0 1 (0,9%)
Captopril + Enalapril 1 2,1%) 0 0 1 (0,9%)
ALFA1 BLOQUEADORES 0 1 (2,1%) 0 1 (0,9%)
Doxasozina 0 1 (2,1%) 0 1 (0,9%)
MUSCULO ESQUELÉTICO 12 (25,0%) 2 (4,2%) 1 (5,6%) 15 (13,2%)
AINES 9 (18,8%) 2 (4,2%) 0 11 (9,7%)
Ibuprofeno 4 (8,3%) 0 0 4 (3,5%)
Diclofenaco 2 (4,2%) 2 (4,2%) 0 4 (3,5%)
Meloxicam 2 (4,2%) 0 0 2 (1,8%)
Nimesulida 1 (2,1%) 0 0 1 (0,9%)
CORTICOIDES 2 (4,2%) 0 1 (5,6%) 3 (2,6%)
Prednisona 1 (2,1%) 0 1 (5,6%) 2 (1,8%)
Hidrocortisona 1 (2,1%) 0 0 1 (0,9%)
ALCALÓIDES 1 (2,1%) 0 0 1 (0,9%)
Colchicina 1 (2,1%) 0 0 1 (0,9%)
ENDÓCRINO 6 (12,5%) 4 (8,3%) 0 10 (8,8%)
SULFONILUREIA 6 (12,5%) 4 (8,3%) 0 10 (8,8%)
Glibenclamida 6 (12,5%) 4 (8,3%) 0 10 (8,8%)
ANALGÉSICO 0 1 (2,1%) 0 1 (0,9%)
OPIÓIDES/ OPIÁCEOS 0 1 (2,1%) 0 1 (0,9%)
Codeína + Tramadol 0 1 (2,1%) 0 1 (0,9%)
TOTAL 48 48 18 114

*Em evidência de ulcera péptica, dose superior a 150 mg/dia, sem indicação de prevenção secundária

** Dose superior a 25mg /dia, AINE’s, inibidores enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores de angiotensina II (BRA)

*** Primeira linha no tratamento de hipertensão arterial

Discussão

Os achados do presente estudo mostram que mais da metade dos idosos (52,7%) em atendimento ou hospitalizados faziam uso contínuo de medicamentos potencialmente inapropriados, o que pode resultar em PIMsactos negativos. De acordo com metanálise publicada recente por Sichieri et al. (2013), com amostra de 90.611 pacientes, foi revelado que os consumidores de FPI apresentaram maior risco para mortalidade, independentemente do tipo de fármaco, comorbidades ou polifarmácia.8

Investigações prévias referentes à prevalência de FPI relatam valores entre 21,7% e 48%.9-14. No entanto, a comparação entre os resultados é de difícil avaliação, tendo em vista que as prevalências em diferentes populações variam de acordo com o horário e local de coleta de dados, e, principalmente, de acordo com os critérios utilizados.15 Este estudo utilizou para detecção dos FPI uma somatória de forma complementar dos critérios de Beers de 2012 e de STOPP e START; enquanto que a maioria das publicações epidemiológicas presentes na literatura utilizaram somente o critério de Beers de 2003, pelo fato de sua atualização, 2012, ainda ser muito recente.

A variabilidade dos resultados encontrados pode ser bem elucidada pela publicação de Gallagher et al. (2011), um paralelo dos FPI encontrados nas admissões de seis hospitais europeus de acordo com o critério utilizado, e foram obtidos 30,4% segundo Beers, 51,3% segundo STOPP e 59,4% de acordo com START.16

A diferença de FPI por gênero não apresentou significância em nosso estudo, assim como em parte dos estudos revisados.17 No entanto, há divergência na literatura, já que outros estudos, e uma revisão bibliográfica revelaram uma maior prevalência para as mulheres.11,12,18 Seguindo o mesmo padrão, a PF não foi correlacionada significantemente com o sexo neste estudo. No entanto, houve uma tendência para um maior número médio de medicamentos prescritos para mulheres, assim como observou-se em outros países, e no Brasil.19 Como justificativa dos artigos para a maior prevalência de FPI e PF em mulheres, há questões de ordem biológicas, já que são mais expostas a problemas de saúde não fatais, e questões socioculturais, como uma maior preocupação quanto a sintomas físicos e psicológicos, além de frequentarem mais os serviços de saúde e estarem mais familiarizadas com os medicamentos.12

O risco de FPI não sofreu influência estatística da faixa etária envolvida, embora tenha se verificado uma frequência discretamente maior nos maiores de 80 anos. Da mesma forma que no gênero, não há consenso na literatura, não se tem determinado se as FPI são mais ou menos frequentes à medida que os pacientes envelhecem. Diferentes estudos apontam para diferentes faixas etárias como as de maior e menor número de FPI.11

Dentre as patologias analisadas, os portadores de depressão (88,8%), doença do refluxo gastroesofágico (80%), insuficiência cardíaca congestiva (77,7%), doença coronariana (76,9%) e diabetes mellitus (70%) apresentaram uma maior frequência de FPI. A depressão, com a maior taxa de FPI, tendo em vista que a maioria dos medicamentos do SNC destinada para o tratamento das mesmas, como benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos e antipsicóticos, estão em sua maioria inclusos nos critérios de Beers como FPI. A PIMsossibilidade da comparação da PF e FPI por comorbidade com outros artigos é justificada pela ausência da mesma nos presentes estudos.

Dos pacientes com FPI, 65,8% usavam apenas um fármaco, enquanto que 24,1% utilizavam dois e, apenas, 12,1% três, quantidade máxima consumidas por um único paciente. Um estudo de São Paulo demonstrou que 83,8% dos pacientes com FPI consumiam apenas um fármaco, e 13,8% usavam dois, enquanto 2,4% usavam de três até cinco destes.11

Em termos de sistema orgânico mais comumente associado aos FPI, observou-se o predomínio do SNC (40,4%), seguido por cardiovascular (36,0%).Um estudo paulista de 2012 apresentou um perfil semelhante, em que 53,4% eram de ação no SNC, seguido por drogas do sistema cardiovascular com 32,0%.13 Outro estudo publicado no Brasil apontou para uma maior frequência no grupo cardiovascular.12Justificada pelo fato dessa ser a classe terapêutica mais utilizada por idosos, tendo em vista a alta prevalência de doenças do sistema cardiovascular nessa população, como também encontrado no atual estudo (HAS, DAC, ICC).20

Os seis medicamentos mais prescritos, por ordem de frequência, de acordo com os critérios empregados, foram o AAS, clonazepam, glibenclamida, diazepam, bromazepam e, empatados, alprazolam, espironolactona e furosemida. O que representa mais de 56% dos medicamentos potencialmente inapropriados para idosos. Em um estudo brasileiro recente foram encontrados 42 fármacos distintos, em uma revisão de 440 arquivos médicos, sendo os mais comumente listados a metoclopramida, cetoprofeno, AAS, insulina, ipratropium bromider, e clonazepam (64% do total de FPI).21

Os benzodiazepínicos representaram a classe terapêutica com maior número de FPI, tendo como maior representante o clonazepam, segunda droga mais prescrita em todo estudo. São considerados inapropriados, pelos critérios utilizados, pois esses fármacos têm meia-vida longa em pacientes idosos (geralmente vários dias), produzindo sedação prolongada e aumentando o risco de quedas e fraturas, consequências consideradas de alta gravidade. A frequência expressiva de uso de benzodiazepínico relatada em estudos brasileiros, incluindo o SABE, pode estar relacionada ao seu baixo custo e disponibilidade, dado que é distribuído pelo SUS.12 Além disso, é uma das drogas mais frequentemente prescritas para tratar a insônia, condição frequentemente observada em idosos, devido às alterações do sono.22

Com referência à maior frequência de FPI de AINES para faixa etária mais jovem, pode-se associar a uma melhor qualidade de vida proporcionada por esses medicamentos diante da dor crônica, gerada por morbidades como artrose, neoplasias e fraturas ortopédicas. É provável que haja uma maior tolerância por parte dos médicos, em relação ao uso dessas medicações nessa faixa etária, muito embora, o risco de lesão renal, bem como sangramentos gastrointestinais devam ser considerados.23

A média de medicamentos prescritos por paciente entrevistado foi de 4,69. Este valor está ligeiramente acima dos valores encontrados por outras pesquisas realizadas no Brasil, variando de 1,3 a 4,3 drogas por paciente.20,24 No entanto, o valor é inferior ao encontrado no estudo observacional descritivo, do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, de 7,511. Em outra investigação que utilizou um banco de dados americano, com 965.756 pacientes com idades entre 65 anos ou mais, constatou-se que o número médio de itens prescritos foi de 7,2 por paciente.25

A associação entre polifarmácia e polipatologia com o uso de medicamentos potencialmente inapropriados obtida neste estudo, não é surpresa, pois o uso de múltiplos medicamentos também é apontado como fator associado a FPI em vários estudos brasileiros e estrangeiros.10,14,16,17 Uma revisão sistemática recente apontou a polifarmácia como a variável mais fortemente associada à utilização de FPI, assim como este presente estudo, provando que o uso de vários medicamentos pode expor os idosos a substâncias cujos riscos superam os benefícios.18 Este estudo descreveu a presença PP, em pouco menos da metade da população estudada, como associação para FPI. Outros autores também complementam afirmando que as pessoas idosas que apresentam maior número de morbidade são as de maior necessidade medicamentosa e, por isso, de maior risco de utilização de FPI.16 Assim, entende-se que é fundamental avaliar a farmacoterapia prescrita e analisar cada caso isoladamente, uma vez que, de acordo com revisão sistemática, os FPI têm sido associados com inúmeras internações, reações adversas e maior risco para mortalidade na terceira idade.12

Dentre as limitações do estudo podemos citar: no que se refere à faixa etária da amostra entrevistada, os critérios de Beers são aplicados em pacientes a partir de 65 anos, e o presente estudo realizou uma adaptação aos parâmetros brasileiros, considerando a população a ser avaliada a partir dos 60 anos. Outro ponto é o fato dos novos critérios de Beers terem uma publicação recente, havendo poucos estudos para análises comparativas. Da mesma maneira, os critérios de STOPP e START não possuem muitas publicações quando usado em conjunto com os de Beers. Quanto à metodologia, coleta e análise de dados por meio de entrevistas, pode-se citar como limitação o desconhecimento ou omissão de histórico patológico e/ou fármacos, pelos pacientes e acompanhantes, podendo gerar fator de confusão para determinação de FPI.

Conclusão

Com base nas entrevistas realizadas, verificou-se que os idosos em atendimento ambulatorial ou internados faziam uso regular de um elevado número de fármacos considerados potencialmente inapropriados para pessoa idosa. O risco associado com várias comorbidades e fármacos os tornam mais vulneráveis de sofrerem eventos adversos graves, com consequências negativas à saúde e sobrecarga ao sistema de saúde.

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Autores

Eduardo Oliveira Pacheco: Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória -EMESCAM – (Estudante do 12º semestre do Curso de Medicina).

Igor Schneider Faé: Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória -EMESCAM – (Estudante do 12º semestre do Curso de Medicina).

Cyro Rezende Laghi: Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória -EMESCAM – (Estudante do 12º semestre do Curso de Medicina).

Lorraine de Souza Juri: Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória -EMESCAM – (Estudante do 12º semestre do Curso de Medicina).

Renato Lírio Morelato: Professor Adjunto de Geriatria da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória -EMESCAM – (Supervisor do Programa de Residência Médica em Geriatria do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória – ES).

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